Fotos Deni Zolin
Cláudia ganhou a casa da Construtora Jobim e agora luta para mobiliar o imóvel. Ela tem recebido doações. Veja abaixo como ajudar.
Os olhos azuis, o cabelo curto e o sorriso são marcantes. Com chinelo de dedos e muita força nos braços e no coração, já que leva Deus sempre com ela, Cláudia luta sob sol de 40ºC no verão e chuva ou frio extremo no inverno. Puxando a carroça, circula pelo Centro, onde é conhecida de muita gente e distribui simpatia e alegria. Afinal, ao longo dos 48 anos de vida, são mais de 30 anos batendo ponto nas ruas da cidade atrás de papelão, de latinha ou garrafas pet para sobreviver. É que a reciclagem dá cada vez menos, só o suficiente para comer.
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Ao voltar para casa, no KM 2, perto do final da Avenida Liberdade, é recebida pela cachorrada que muitos abandonam ali e cujos latidos se misturam com o cacarejar das galinhas. Ao menos, agora, Cláudia pode descansar num local mais confortável.
A antiga casinha de 3m x 3m, de chão batido e cheia de cupins e frestas, com 30 anos de uso, virou coisa do passado. Desde o final de janeiro, uma das mais conhecidas recicladoras de Santa Maria está dormindo em uma casa nova, de madeira e alvenaria, com sala, dois quartos e banheiro – que não existia na moradia antiga. Esse sonho foi realizado graças ao empresário Gustavo Jobim, da Construtora Jobim, que vai dar, a cada mês, uma casa dessas, de R$ 23,9 mil, a uma pessoa que estiver precisando e tiver um terreno legalizado para instalar o imóvel.
Cláudia, que já era feliz, apesar das dificuldades, agora é cada vez mais sorrisos. Porém, o Diário foi até a nova moradia para mostrar essa nova realidade da recicladores e tirar uma dúvida que muitos santa-marienses têm: afinal, quem é Cláudia Barbosa da Silva?
Com seu jeito simples e que mistura momentos de timidez com outros de entusiasmo e alegria, Claudia recebeu o Diário e, ao ser questionada sobre sua história, revelou que teve uma infância difícil. Filha de uma catadora de lixo, ela não teve pai e acabou sendo criada pelos avós, na Vila Oliveira. Lembra que começou a catar materiais recicláveis com a mãe, mas não se recorda nem com que idade. Aos 24 anos, quando os avós faleceram, ela acabou sendo expulsa do terreno pela própria mãe e foi viver junto com uma tia e a prima, também recicladoras, no atual KM 2. Foram elas que, com sacrifício, construíram a pequena casa de madeira há mais de 30 anos, mas que acabou sendo consumida pelo tempo. Cláudia conta que tem um irmão, mas que não convive com ele nem com a mãe. O pai, nem conheceu e já é falecido.
Vida nova
Orgulhosa da nova casa, a recicladora mostra a moradia feliz da vida. Na sala, uma TV que ganhou do dono de uma oficina, uma mesinha e uma cadeira. Ainda não tem sofá. No quarto, apesar de viver sozinha, uma cama de casal que também ganhou. Em cima, um grande crucifixo com a imagem de Jesus, seu companheiro. Sobre o roupeiro, duas pelúcias: um sapo e um elefante. No outro quarto, tudo ainda vazio. No banheiro, falta o chuveiro, que ela também já ganhou. Ainda faltavam ser instalados os vidros nas janelas e também a água e a energia elétrica. Foi então que ela lembrou como esse sonho começou a ser realizado.
– Minha prima e meus amigos lá do Centro me mandaram ir atrás, e eu fui no escritório dele (Jobim). Ele abriu as portas, e eu entrei e pedi para falar com ele, que eu precisava de uma ajuda. Ele já fez a lista e me ajudou. Ele é um anjo, uma pessoa muito boa. Eu tenho muito a agradecer para ele. O que ele fez por mim não tem palavras, só tenho a agradecer e pedir que Deus ilumine muito os passos dele, que um amigo desses não se encontra nunca mais. Quando vi a casa pronta, foi uma felicidade, era um sonho que se realizou. Imaginava, lutei tanto e consegui. Mas vou continuar trabalhando, seguir com meu serviço, levantar a cabeça para cima e agradecer a Deus, porque Ele é maior, o maior pai que tem nesse mundo é Ele. Dá luz, dá paz, realiza os teus sonhos, então tem de acreditar na fé – diz Cláudia.
Foi a prima, Patrícia da Silva da Silveira, 38 anos, que deu a ideia para Cláudia ir atrás de Jobim para pedir uma casa:
– A Cláudia é uma pessoa humilde, que sempre trabalhou na rua, nunca teve ninguém por ela. Se não é eu e meu marido fazer alguma coisa por ela, hoje em dia não saberia o que seria dela. Ela é uma pessoa que conversa bem, que tem muitas amizades, está sempre disposta a trabalhar. A cada dia, luta para ser feliz, apesar das dificuldades. Há 30 anos, foi feita aquela pecinha para ela porque foi expulsa do terreno dos avós, ali foi o abrigo dela. Era boazinha, mas, com o tempo, o cupim pega, o piso demoliu.
Como ajudá-la
A prima conta que muita gente abandona cães e gatos ali na frente, e Cláudia ajuda a alimentá-los. Porém, nem sempre consegue ração e comida. Quanto à casa de Cláudia, diz que precisam de móveis e utensílios, e que toda ajuda será bem-vinda. Conta que seria preciso cercar o pátio, pois usuários de drogas furtam até materiais recicláveis. Ela se preocupa com furtos na casa nova, já que Cláudia agora receberá novos móveis e objetos. Se alguém quiser ajudar Cláudia e a família, o PIX de Patrícia é o CPF 02146546050.
“A outra casinha me deu muita força. Deus traz, para mim, a felicidade”
Diário – Essa aqui era a tua casa antiga, né?
Cláudia – Sim, eu morava ali, mas aquela casinha me deu muita força. Já estava tomada de cupim, mas ela me deu força, muita luz. Eu disse que um dia iria conseguir e consegui. Agora, é vida nova. Levanta a cabeça para cima e acredita em Deus. Porque às vezes a gente fica ruim, mas a gente não tem de ter mágoa, tem de ser feliz como eu. E perdoa o que as pessoas te fazem. Muita gente ruim já falou muito de mim. Eu disse para eles, não faz o mal porque Deus não vai abençoar vocês nunca. Faz o bem para mim que você vai sempre ter o bem. Eu disse isso para algumas pessoas do Centro. Agora, estão me dando parabéns, que Deus te abençoe, sucesso, vida nova. Agora, Deus abriu os olhos e o coração deles. E agora tenho de perdoar, a gente não pode ser ruim neste mundo.
Diário – A Claudia é sorridente. De onde você tira alegria?
Cláudia – Deus traz, para mim, a felicidade, chega de tristeza. As pessoas dizem “Ah, Claudia, tu tá sempre alegre, sempre brincalhona, brinca com todo mundo, chega alegre no Centro, ai que felicidade”. Isso é Deus que traz. Acreditem em Deus que vocês também vão estar na felicidade na vida. Eu fico bem feliz que o Pai realizou meus sonhos.
Diário – Muita gente te vê na rua, mas não sabe nada de ti. Enfim, quem é a Cláudia?
Cláudia – Eu morava na Vila Oliveira de primeiro. Fui criada pelos meus avós. Nasci e cresci ali. Depois, comecei a crescer, crescer, crescer e, com 24 anos, foi a perda dos meus avós. A vó morreu de diabetes, e o vô de resfriado, muito velhinhos já. Daí, fiquei muito triste, porque eu fui criada por eles, não por pai ou mãe. E a minha mãe, não gosta de mim e não se dá comigo. Então, eu larguei ela de mão e não adianta ter uma mãe que não vai com a tua cara e te deseja o mal. Isso eu não quero para minha vida. Agora minha tia, a Patrícia e o marido dela são a minha família. Eu já estava trabalhando com reciclagem desde cedo, com minha mãe, na Vila Oliveira. Depois, ela foi embora para o Alto da Boa Vista, e eu fiquei aqui. Comecei a trabalhar com a carroça há mais de 20 anos. Tenho irmão, mas não convivo com ele; ele trabalha com reciclagem na sucata de materiais. E meu pai, eu não tive. Não registrou, não cuidou, quem me criou foram meus avós. E ele já morreu há muito tempo de infarto, aos 58 anos. Não conheceu a filha e também não registrou.
Eu, minha tia, a prima e o marido dela trabalhamos na Fundação Noemia Lazzarin, de reciclagem. Agora, baixou muito o preço dos materiais. Não é mais aquilo que a gente ganhava. Com o que a gente ganha, dá para sobreviver, e a gente ganha cesta básica, mas não me inscrevi em Bolsa Família. Foi meu vô que botou Cláudia Barbosa, porque eu não tinha sido registrada. E agora, é Cláudia para o mundo inteiro. Todo mundo diz: “Cadê a Claudia, que saiu com o Gustavo na internet?”. Eu disse: “É eu”, e uma senhora falou: “É ela mesma! Que Deus e Nossa Senhora Medianeira ‘ilumie’ todos os teus passos”, e eu respondi “Obrigada”.