reportagem especial

O contexto que levou ao fim da obrigatoriedade das máscaras ao ar livre após dois anos

Pâmela Rubin Matge e Felipe Backes

data-filename="retriever" style="width: 100%;">
Foto: Pedro Piegas (Diário)

Se o reflexo da pandemia no cotidiano das cidades pudesse ser materializado em uma imagem, uma das principais seria a de pessoas usando máscaras. Se antes, causava estranhamento uma pessoa com o acessório sobre o rosto, nos últimos dois anos, o que chamou a atenção era quem se destoava dos demais por não utilizar a proteção, sobretudo, ao circular em locais públicos.

Antes da vacina, a utilização das máscaras, bem como os modelos e o manuseio adequado, nortearam o apelo por cuidados de especialistas. Muitas foram as propagandas de TV e campanhas institucionais pelas #máscaraSim.

'Acho prematuro chegar e dizer que já está decidido, que vai ser Bolsonaro x Lula', diz Mourão à CDN

Contudo, as contradições e polêmicas marcaram a obrigatoriedade do uso, bem como agora figuram o debate sobre o fim da exigência em muitos municípios.

Longe daqui, alguns países flexibilizaram o uso ao ar livre ainda em 2021, como é o caso de Portugal e do Reino Unido. A cobertura vacinal, o número de casos e os índices de mortalidade foram os principais aspectos considerados.

O Rio Grande do Sul tem aproximadamente 50 óbitos por dia e apresenta queda progressiva nas últimas semanas. A vacinação no território gaúcho iniciou em janeiro de 2021. Atualmente, 76% da população tem esquema vacinal completo (considerando dose única ou primeira e segunda dose) e 34% já recebeu uma dose de reforço, considerando apenas as pessoas aptas a receber, o índice sobe para 44%.

DECRETO ESTADUAL

Quase no apagar das luzes da última quarta-feira, pouco antes das 23h, o governo do Estado publicou o decreto, pelo governador Eduardo Leite (PSDB), que valida oficialmente a flexibilização em áreas externas.

Mesmo sem a obrigação, o uso é "fortemente recomendado" pelos órgãos de saúde. A decisão foi tomada pelo Gabinete de Crise para o Enfrentamento à Covid-19 no Rio Grande do Sul em conformidade com uma nota técnica emitida pelo Comitê Científico e Centro de Operações e Emergência em Saúde (COE). Na Região Central, porém, Agudo foi a primeira cidade a flexibilizar o uso de máscaras desde o dia 12 de março. O decreto, porém, prevê algumas exceções: hospitais e locais de atendimento em saúde devem manter o uso obrigatório de máscaras, tanto os profissionais quanto os pacientes e visitantes. No dia 13, foi a vez do município de Tupanciretã tomar medida semelhante.

O enfrentamento da Covid-19, embora esteja em um cenário menos trágico, segue fazendo vítimas, casos e tem notícia de uma nova variante, a Deltacron. É com esse argumento, que o uso das máscaras divide opiniões na própria comunidade científica, pauta diferentes interpretações na legislação de Estados, municípios e União e se coloca, inclusive, no campo do embate político.

'Só estou cumprindo a lei', diz Pozzobom sobre novo salário de R$ 31,7 mil

O prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), afirmou que vai seguir o que é determinado pelo governo estadual e descartou a publicação de um decreto municipal sobre o tema das máscaras, com outras regras. Acompanhe, nas próximas páginas, a percepção de especialistas e uma linha do tempo desde que o equipamento passou a integrar o dia a dia da população.

EM DOIS ANOS, USO DE MÁSCARA FOI TEMA DE DEBATES, LEIS, DECRETOS E SISTEMAS DE MONITORAMENTO

Em 25 de março de 2020, antes de qualquer obrigatoriedade do uso, já faltavam máscaras em Santa Maria. As farmácias foram pegas despreparadas com a alta demanda e os estoques esgotaram rapidamente. Quatro dias antes, havia sido confirmado o primeiro caso de Covid-19 no município. Naquele momento, todo o comércio considerado não essencial estava fechado e as aulas das redes municipal e estadual suspensas.

Mas levou quase um mês até que o uso se tornasse obrigatório. O primeiro movimento oficial nesse sentido aconteceu em 9 de abril. Nesse dia, o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB), publicou um decreto que apenas recomendava o uso do equipamento. E, justamente pela falta do produto no mercado, a recomendação era pelo uso da máscara caseira, feita de pano. "As máscaras de uso profissional deverão ser utilizadas apenas por profissionais de saúde, por profissionais de apoio que prestarem assistência ao paciente suspeito ou confirmado de Covid-19 e por pacientes", dizia o texto do decreto.

Mas a medida não teve efeito prático. Em 18 de abril, um novo decreto municipal iniciou a obrigatoriedade do uso da máscara. A regra foi uma das condições para a reabertura do comércio considerado não essencial, que aconteceu no mesmo dia. Nesse dia, Santa Maria registrava 18 casos da doença.

- A recomendação não deu certo. A partir de agora, vamos tomar essa medida dura, mas com a finalidade de preservar vidas. Vai ser obrigatório o uso - disse Pozzobom, em transmissão ao vivo pelo Facebook. Na época, as declarações oficiais eram feitas pelas redes sociais.

No dia 18, um sábado, as lojas abriram às 9h, e o que se viu nas áreas centrais da cidade foram ruas movimentadas e filas em frente aos estabelecimentos. A máscara já se fazia presente com mais força.

Hospitalizações pelo SUS pautam reunião entre políticos e gestores de saúde em Santa Maria

Na Rua do Acampamento, uma cena curiosa: uma longa fila se formou em frente a uma loja de costura. As pessoas buscavam materiais para fabricar a própria máscara de pano.

O decreto obrigava o uso ao acessar ambientes fechados, como lojas e ônibus. A obrigatoriedade em ambientes ao livre chegou mais tarde, via decreto estadual. Em 11 de maio, foi implantado o Modelo de Distanciamento Controlado, que estabelecia bandeiras coloridas a cada região conforme a situação epidemiológica. A partir daí, a máscara virou realidade também nas ruas e praças.

O equipamento nunca chegou a ser unanimidade. Em julho de 2020, a reportagem do Diário percorreu diferentes regiões da cidade e constatou que quase um terço da população não usava a máscara em vias públicas.

E com o objetivo de forçar o uso nos santa-marienses, em 13 de agosto de 2020, a Câmara de Vereadores aprovou a Lei das Máscaras, que previa multa de até R$ 568 a quem fosse flagrado sem o equipamento. A votação do projeto de lei, de autoria da prefeitura, teve discussão ferrenha. A lei teve 10 votos favoráveis e oito contrários.

A LEI

A lei entrou em vigor apenas em 1º de outubro, mas não teve grande efeito prático. Apenas três multas foram aplicadas com base na legislação - duas no primeiro dia de vigor. Outro levantamento do Diário, realizado em março de 2021, apontou que metade da população não usava a máscara de forma correta. Nesse momento, Santa Maria vivia o pior momento pandêmico. Foram 151 mortes só em março.

O uso de máscara seguiu obrigatório mesmo em período mais calmo da pandemia. Em 16 de maio de 2021, após pressão de entidades empresariais do Estado, o Distanciamento Controlado deu lugar ao Sistema 3As, mais brando em relações às restrições, mas que ainda previa o uso.

Santa Maria ainda viveu um recrudescimento da pandemia em janeiro e fevereiro deste ano, mas com índices de vacinação que superam os 90%, entrou em discussão, em março, o fim da obrigatoriedade. Na última semana, a Câmara de Vereadores derrubou a Lei das Máscaras. Entretanto, a medida não teve efeito prático, já que ficou condicionada à Lei Federal. A desobrigatoriedade, de fato, veio apenas nesta semana, por meio de decreto estadual. Por enquanto, a liberação vale apenas para ambientes abertos. Quase dois anos depois, o sopro de uma relativa normalidade volta a bater na cara dos santa-marienses.

TENDÊNCIAS E NOVAS MEDIDAS

Presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), Alessandro Pasqualotto, defende que há uma boa margem de segurança para flexibilização do uso de máscaras em ambiente externo. A propósito, o especialista argumenta que, desde o início da pandemia, exigência para ambientes externos foi exagerada:

- Não tem sentido a pessoa estar passeando com o cachorro usando uma PFF2, por exemplo. A flexibilização em uso externo, exceto em locais com aglomeração, é ponto pacífico e, penso que, é apenas uma transição para logo aprovarem a medida para ambiente fechado, como já fizeram algumas cidade. Em Porto Alegre, hoje (sexta-feira), o prefeito desobrigou o uso. O cenário epidemiológico mudou e precisamos começar a conviver com casos (de Covid) como uma doença endêmica.

A discussão, segundo Pasqualotto, não tem consenso até entre os infectologistas. No entendimento da própria SGI, o fim da exigência é adequado para locais ao ar livre, bem como já há um entendimento para a liberação em ambientes fechados, com exceção de pessoas com sintomas respiratórios, imunodeprimidas, idosas e não vacinadas.

'Hoje, a dependência do Poder Executivo em relação à Câmara é muito forte', diz Nelson Jobim

O médico ainda reconhece a utilização da máscara como indispensável quando ainda não se tinha uma cobertura vacinal adequada, além da importância de seguir vacinando a população. Outro ponto que ele levanta é a de não usar a máscara como um mecanismo ideológico.

- O presidente (Jair Bolsonaro) teve a infeliz ideia de não usar e criticar o uso da máscara no início da pandemia e isso gerou uma conotação política muito forte, que as pessoas usam até hoje para atacá-lo. O que ele fez foi desserviço à saúde pública e, talvez, muita gente que seguiu o que ele disse pode ter se contaminado ou morrido. Mas estamos em outro momento, discutindo o presente e o futuro. Hoje, as discussões deveriam ter com ênfase a vacinação infantil e o incentivo à terceira dose, por exemplo - argumenta o infectologista.

PRUDÊNCIA

Médico epidemiologista da Vigilância Municipal em Saúde, Marcos Lobato, que também é coordenador do Centro de Referência Municipal da Covid-19, reconhece o cenário com recuo de casos e óbitos, mas pede cautela. Segundo Lobato, a pandemia ainda é uma realidade:

- As máscaras, assim como distanciamento e mais recentemente as vacinas foram e continuam muito importantes. O que apoia o fim do uso obrigatório de máscaras ao ar livre são os indicadores de queda nos casos. Mas apenas para uso ao ar livre e sem aglomerações. Lembro que se ocorrer um aumento nos casos essa exigência pode retornar. Agora temos poucos casos e redução das internações e se é isso que justifica a flexibilização, o contrário é verdadeiro. Temos de lembrar que a pandemia não acabou, e podemos ter novas ondas e mais casos.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Outros quatro municípios da Região Central assinam contrato com a Corsan

Próximo

Nos 90 anos do voto feminino, a luta é por representatividade e mais cargos eletivos

Reportagem especial