
Foto: Arianne Lima
2025 começou com grandes lançamentos de filmes e séries no mundo todo, sendo que alguns deram o que falar. Em 13 de março, foram liberados os episódios da minissérie britânica Adolescência na Netflix. A produção narra a história de Jamie Miller (interpretado por Owen Cooper), 13 anos, que é acusado de assassinar uma colega de escola.
O impacto do crime na vida do adolescente, na família e na comunidade são retratados ao longo da minissérie, assim como as consequências do bullying, machismo, redes sociais, falta de responsabilidade parental, entre outros pontos.
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Embora a série seja ficcional, a situação retratada não é. Diariamente, atos infracionais (ações que violentam o direito e são tipificadas como crime ou contravenção penal, mas que são cometidas por menores de idade) cometidos por adolescentes são registrados no Brasil. No Rio Grande do Sul, episódios envolvendo abuso de drogas e álcool, crimes de trânsito, agressões, estupro, roubo e assassinato realizados por pessoas entre 12 a 18 anos incompletos têm estampados as capas de portais, sites e jornais, que, além das informações, buscam responder uma pergunta primordial: por que isso está acontecendo?
Na primeira reportagem da série produzida pelo Grupo Diário, entenda o conceito de adolescência, a importância dessa fase, como os pais ou responsáveis podem fazer a diferença e quais são os sinais que indicar que um adolescente está enfrentando problemas.
Conceito
Para proteger integralmente crianças e adolescentes enquanto sujeitos com direitos e deveres, existe a Lei 8.069/1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O documento considera “criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade”. Com o passar do tempo, a legislação sofreu alterações, acompanhando as mudanças sociais e comportamentais no Brasil.
Entretanto, alguns objetivos primordiais, como o descrito no Artigo 4, são mantidos para que não sejam esquecidos: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Os efeitos desse e de outros artigos da Lei 8.069/1990 na vida de adolescentes são analisados pela psicóloga clínica e doutora em psicologia social, Dorian Mônica Arpini, 61 anos. Autora de livros como Violência e exclusão: adolescência em grupos populares (2009) e Psicologia, famílias e leis: desafios à realidade brasileira (2012), a profissional se dedica a compreender a importância dessa fase principalmente para a saúde mental, uma vez que, para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência começa aos 10 anos e termina aos 19.
– A adolescência é uma etapa de transição entre a infância e a vida adulta. Essa transição é um exercício de autonomia, liberdade, responsabilidade e empatia, mas também um momento em que se deixa de estar sob um olhar mais protegido dos pais para estar mais envolvido com pares e, depois, assumir a experiência adulta, que é de uma autonomia maior. Então, a adolescência é fundamental – explica.
Embora a liberdade seja um dos pontos principais dessa fase, Dorian afirma que ela deve ser fornecida de forma cuidadosa pelos pais ou responsáveis para que não haja problemas:
– Os pais ou quem cumpre essa função são fundamentais desde que a criança nasce e continuarão sendo, ao longo da vida dessa pessoa, de formas diferentes. Na infância, eles precisam levar, buscar, alimentar, ensinar a caminhar, fazer dormir, tudo dentro do cotidiano da criança, porque a dependência é maior. Na adolescência, eles continuam necessários, porque os riscos são maiores. Nesse contexto, o cuidado é fundamental. O adolescente, talvez, passe a ideia de que desejaria não ser olhado pelos pais. Mas se ele não for, as chances que ele tem de não se dar bem são muito grandes.

Responsabilidade parental
Na minissérie Adolescência, os detetives buscam entender quais foram os fatores que levaram Jamie a cometer o crime. A relação familiar entre o adolescente e o pai, Eddie Miller (Stephen Graham), também é analisada, visto que o comportamento agressivo e problemático de Jamie pode ter começado dentro de casa. Segundo Dorian Mônica, para saber a origem das mudanças de comportamento ou eventuais situações, é necessário que os pais não abram mão da responsabilidade parental.
– Os pais não podem e não devem se furtar da ideia de que eles têm uma responsabilidade parental e que ela é, na adolescência, difícil de ser exercida. É preciso desejar muito que essa responsabilidade exista. É mais fácil dizer ‘ele não quer que eu busque’, ‘não quer que eu vá’. Falando profissionalmente, não aliviamos a tarefa dos pais. Não dá. É preciso incentivá-los a estar nesse lugar, ainda que seja, muitas vezes, difícil ou exaustivo. Isso causa um embate entre ter ou não limites. É preciso ter limites. Então, é preciso que os pais os coloquem – enfatiza a doutora em psicologia.
A especialista reforça que existe uma diferença entre a proteção extrema e a ausência de proteção ao adolescente, sendo necessário que os pais achem um equilíbrio entre os dois conceitos e mantenham uma certa hierarquia nessa relação.
– Hoje, existe a perspectiva de que ‘somos parceiros’ e isso não favorece aos pais nem aos filhos, porque não existe alguém que exerça uma autoridade. Os adolescentes precisam de autoridade parental, de alguém que respeitem porque tem um saber que eles não têm e, os pais são essas pessoas. Esse saber não é partilhar da festa ou bebida. É de partilhar da responsabilidade, do limite, dos horários e da escola – afirma a psicóloga.
Mudanças de comportamento não devem ser ignoradas, diz psicóloga
Os atos infracionais cometidos por adolescentes são a famosa ‘ponta do iceberg’. Em Adolescência, Jamie passa a falar com uma psicóloga infantil. O objetivo dos encontros é entender os motivos que levaram o adolescente a cometer aquela ação violenta.
Longe das telas, o processo é o mesmo. É preciso entender as motivações e o contexto no qual o adolescente se encontra. Fatores como bullying, cyberbullying, baixa autoestima, negligência, intensa exposição a violência em casa ou nas redes sociais podem resultar em transtornos mentais, levando a mudanças no comportamento.
Neste contexto, a psicóloga clínica e doutora em psicologia social, Dorian Mônica Arpini, pede que os pais ou responsáveis busquem ajuda de um profissional de saúde mental para o adolescente, ao perceberem sinais como busca por isolamento e introspecção, dificuldades em interagir socialmente, insônia, aumento ou diminuição do peso de forma repentina, uso de roupa de manga comprida em período de calor na busca por esconder autolesões, mudanças de humor, não reconhecimento de autoridade ou não cumprimento de tarefas do cotidiano.
– Precisamos cuidar dos adolescentes, porque eles são a próxima geração adulta. Por toda a pressão social que há sobre eles, os adolescentes vivem hoje com uma ansiedade muito grande. Alguns estão deprimidos. Isso ocorre devido ao excesso de informações, estímulos e a dificuldade de filtrar. Vemos exigências nos padrões de beleza, desempenho da sexualidade, e tantas outras coisas que eles não têm como cumprir. Temos que perceber que algumas coisas que antes eram menos fluidas em gerações anteriores, hoje, estão mais fluidas: relacionamentos, sexualidades, entre outras questões que deixam um desamparo para o adolescente. Não é fácil ser adolescente neste contexto, no qual tudo parece incerto – reforça a especialista.

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