A frase “desfazer a ruína e construir a memória”, colocada na fachada da boate Kiss, indica que uma nova parte dessa história será escrita. Em breve, as ações estampadas em um tapume colocado em volta do prédio darão espaço ao Memorial da Kiss. O início da obra está previsto para esta quarta-feira (10) em um ato simbólico. As primeiras etapas incluem o recolhimento de itens que vão compor o acervo e a remoção de partes da estrutura. Dentro de oito meses, o Memorial deve ser entregue à comunidade após 11 anos de espera.
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Antes do início das obras, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) realizou um ato de entrega de cartas aos moradores da Rua dos Andradas. No texto, uma reflexão sobre o que o prédio significou nos últimos 11 anos e também um convite para que acompanhem o início das obras.
– A carta fala sobre todos esses anos que passamos junto a comunidade, reconhecendo esse tempo que foi bastante difícil. A presença do prédio, muitas vezes, remetia a lembranças desagradável. E também fazendo o convite às pessoas que são vizinhas do prédio a participem desse momento de quarta-feira, em que será iniciada a obra no Memorial - afirma Gabriel Rovadoschi, presidente da associação.
Início do "desfazer o prédio"
A construção do Memorial inicia na quarta-feira (10). Para isso, será realizado um ato simbólico em frente a Boate Kiss, a partir das 9h. Na ocasião, homenagens e o relato de pessoas importantes vão anteceder o início das obras. Conforme o presidente da associação, durante o ato, ocorrerá a remoção dos letreiros e da porta principal para representar o início da etapa de obras.
Nenhuma parte da estrutura será mantida, por questão de segurança. Do prédio serão retirados apenas os objetos, pré-selecionados, que farão parte do acervo do Memorial da Kiss. Espelhos, portas e o guarda-corpo da entrada, que remetem à tragédia de 27 de janeiro de 2013, serão conservados. Conforme a associação, nem todos os objetos serão usados no Memorial. A ideia é que, a partir deles, uma exposição itinerante seja montada para levar o acervo a outro lugares.
Apesar do prédio passar pelo processo de demolição, já que nenhuma parte da estrutura atual será utilizada, a AVTSM interpreta essa etapa como um 'desfazer do prédio'. Para Rovadoschi, a obra tem um significado mais amplo, que vai além do colocar tijolos e levantar paredes:
– Temos usado uma expressão que diz mais respeito ao que representa essa obra que é ‘desfazer o prédio’. Porque não é simplesmente uma obra de levantar parede. É uma obra que mexe muito mais dentro de cada um, do que de fora.
Para o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB), a data de 10 de julho será simbólica para o município. Também deve servir de modelo para o mundo, para que tragédias como a da Boate Kiss não se repitam:
– Depois da Kiss, aconteceram incêndios em outras partes do mundo. Então, queremos que esse Memorial seja um grande símbolo para o mundo. Amanhã é um dia muito importante porque marca o primeiro passo de construção do espaço.
Espaço de memória, educação e cultura
O Memorial da Kiss será entregue nos próximos meses e, com ele, um espaço cultural e educativo. Conforme o presidente da associação, o desejo é que o local abrace a discussão de pautas como prevenção de incêndio, segurança dos estabelecimentos e a justiça. Para isso, a participação da comunidade será essencial:
– Esperamos um lugar de produção de cultura, educação e vida. E que a comunidade faça parte disso. O que eu desejo e venho trabalhando para que isso se confirme, é que seja um espaço para visitação das escolas, para educar novas gerações. Assim, vamos seguir transmitindo a história.
O projeto do Memorial
A obra terá início em julho e deve durar oito meses, ao custo de R$ 4,8 milhões. O Memorial será construído na Rua dos Andradas, no exato local onde ficam as ruínas da boate Kiss, onde aconteceu o incêndio no dia 27 de janeiro de 2013. O projeto de 383,65 metros quadrados será feito em um único pavimento, para facilitar a acessibilidade e a manutenção.
Os recursos para a obra são do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), fundo presidido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) que destinará ao Memorial os valores provenientes de multas e acordos judiciais por danos causados à coletividade. Para o procurador-geral de Justiça, Alexandre Saltz, procurador-geral de Justiça, o espaço será importante para preservar e lembrar a memória das vítimas:
– Com o início das obras deste memorial, todos os moradores de Santa Maria e aqueles que a visitam conseguirão enxergar a tragédia a partir de outro olhar. Ao invés do antigo prédio, teremos um jardim para recordar aqueles que ali perderam a vida. Ressignificar este acontecimento a partir de um espaço físico novo é simbólico e representa uma maneira de compreender que este passo é importante para o conforto das famílias das vítimas e também de toda a comunidade do município.
- Fachada – A proposta traz um muro de concreto e tijolos que bloqueia quase que inteiramente a visão do espaço interior, se vista da rua. De acordo com o autor do projeto, a austeridade da fachada representa o luto da cidade e exige respeito do visitante ao que aconteceu. Haverá saídas de emergência na fachada
- O interior – Em contraste, ao atravessar o muro, encontra-se um espaço de luz e fluidez. O atravessar busca trazer uma ressignificação do luto e do pesar
- No centro – No coração do projeto, haverá um jardim circular de flores. À sua volta, 242 pilares de madeira, cada um representando uma vítima da tragédia, suportam uma cobertura radial que abriga as diversas salas do conjunto
- Ao fundo – Será instalado um auditório, composto por um palco central e plateia em lados opostos. Uma sala multiuso de caráter cultural abrigará o acervo em formato de exposição permanente multimídia. Do outro lado, optou-se por criar uma sala única que abrigará a sede da AVTSM, assim como demais áreas de reunião e atividades coletivas
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