
Foto: Divulgação
O crime ocorrido em São Gabriel chocou o Rio Grande do Sul e o Brasil. Tiago Ricardo Felber, 40 anos, assassinou o próprio filho, Théo Ricardo Felber, de apenas 5 anos, como forma de vingança contra sua ex-companheira.
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Em entrevista ao programa Fim de Tarde CDN, da Rádio CDN 93.5 FM, o delegado Daniel Severo, responsável pelo caso, revelou que o homem planejava há meses infligir dor à mãe da criança, com quem estava separado desde outubro.
O caso expõe não apenas a brutalidade de um ato individual, mas a estrutura doentia de um sistema que trata mulheres e crianças como objetos de posse.
O assassinato de Théo não foi um ato impulsivo. Segundo o delegado, Tiago articulou friamente sua vingança, afirmando que a mãe da criança “sofreria mais com a perda do filho do que com a própria morte”. Essa declaração revela a lógica perversa por trás do crime: o desejo de prolongar o sofrimento da ex-companheira, usando o filho como moeda de troca em uma guerra doméstica. O menino, inocente e indefeso, transformou-se em instrumento de tortura psicológica, um recurso extremo para garantir que a mulher jamais se libertasse do controle do agressor.
Esse caso escancara o sentimento de posse que muitos homens ainda nutrem sobre mulheres e filhos. A ideia de que a família é uma extensão do domínio masculino, algo a ser governado – ou destruído – conforme a vontade do “proprietário”. É herança de uma cultura patriarcal que reduz relações afetivas a hierarquias de poder. Quando a mulher ousa romper o vínculo, a resposta, para alguns, é aniquilar simbolicamente sua autonomia, mesmo que isso signifique eliminar a própria prole.
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi criada para coibir a violência doméstica, reconhecendo que agressões contra mulheres não são meras “questões de família”, mas crimes graves. No entanto, casos evidenciam que a legislação, embora essencial, não é suficiente para desmontar séculos de opressão internalizada. Isso nos leva a refletir: até que ponto a sociedade e as instituições estão preparadas para enxergar a violência psicológica e os sinais de possessividade como alertas vermelhos? A cultura da “propriedade” sobre a mulher persiste em frases como “se não pode ser minha, não será de mais ninguém”, normalizada em novelas, piadas e até discursos religiosos.
Matar um filho para punir a mãe é um ato que desumaniza a mulher em dois níveis. Primeiro, nega seu direito à liberdade afetiva, tratando-a como uma rebelde a ser castigada. Segundo, reduz a criança a um mero objeto de barganha, cuja existência só tem valor enquanto instrumento de controle. Théo foi tratado como um meio, não como um fim em si mesmo – reflexo de uma mentalidade que enxerga filhos como extensões do pai, e não como indivíduos autônomos.
O caso de Théo não é isolado. No Brasil, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.401 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2022, e muitos desses crimes envolvem violência contra filhos como forma de agredir indiretamente a mãe. Sua morte é um alerta sombrio de que o machismo mata – e não apenas simbolicamente.