O ferreiro Paulo da Silva Ferreira, 54 anos, chegou no posto de saúde do Bairro Lorenzi às 4h50min, na última segunda-feira (12). Era o quinto da fila. Sinal que a espera para um agendamento de consulta médica começou ainda antes. De acordo com ele, essa é a única forma de garantir uma ficha. O mesmo cenário se repete em outras unidades de saúde do município.
– São 5h da manhã e, daqui a pouco, não tem mais ficha. É muita demanda para pouco atendimento. Semana passada, eu voltei para casa porque cheguei aqui e não tinha mais ficha – afirmou Ferreira.

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Na última semana, a reportagem do Diário esteve em cinco postos de saúde, em diferentes bairros da cidade. São eles: Salgado Filho, Centro, Lorenzi, Tancredo Neves e Camobi. Nesses locais, a demanda foi por mais atendimento, segurança e infraestrutura.

Espera de horas
O vigia Jonis Lemos, 52 anos, mora há 15 anos no Bairro Tancredo Neves. Mesmo período em que madrugar tem sido rotina em dias que precisa de um agendamento na Unidade de Saúde Ruben Noal. Conforme o morador, a situação tem piorado nos últimos anos:
– Infelizmente, precisamos chegar de madrugada, às 3h ou 4h da manhã. Inclusive, tem gente que tem posado na unidade (de saúde) para conseguir ficha. Hoje, para a minha média, são quatro fichas para atender todo mundo.
Já o gari Edimilson Ferreira, 49 anos, foi às 3h da manhã para a mesma unidade de saúde. Ele conta que, em semanas anteriores, chegou mais tarde e não conseguiu mais o agendamento. Outra dificuldade é a espera. São horas na fila até o horário de abertura das unidades, que geralmente acontecem às 7h ou 7h30min. Problema que se repete, também, no Posto de Saúde Wilson Paulo Noal, no Bairro Camobi. Lá, uma fila com cerca de 20 pessoas já se formava antes mesmo das 7h.
Diante da alta demanda, Secretaria Municipal da Saúde aposta em turno estendido e acolhimento
Procurada pela reportagem, a Secretaria da Saúde do município afirma ter conhecimento sobre a demanda. Conforme o titular da pasta, Guilherme Ribas, uma das alternativas tem sido o acolhimento. A prática consiste em uma escuta qualificada do profissional da enfermagem que tem autonomia em ações como a prescrição de uma receita ou a solicitação de exames, sem a necessidade de uma consulta médica.
Outra solução encontrada, conforme o secretário, é o turno estendido no final do dia e o turno alternativo no sábado – para tratar a alta demanda e atender aqueles que não podem ir até a unidade de saúde no horário habitual. Ele afirma, ainda, que a atenção primária também inclui as demandas programadas como acompanhamento de gestantes, de puérperas e os pré-natais. Por isso, o número de fichas para demandas livres, que chegam ao posto de saúde, pode parecer pequena.
– Precisamos melhorar o processo dessa demanda que chega na madrugada. E sabemos que a estrutura é finita. No Bairro Nova Santa Marta, por exemplo, fazíamos agendamento de 15 em 15 dias. Sentamos em uma reunião e passamos a fazer semanalmente. Estamos olhando e buscando alternativas, mas deixando muito claro: não é a questão do atendimento médico e sim do acolhimento para aquela demanda que o paciente precisa. Eu sei que a população fica angustiada porque quer a questão do acesso, mas estamos trabalhando no acolhimento dessas pessoas.

Em relação ao número de profissionais, cada unidade de saúde tem o que o Ministério de Saúde chama de equipe de Atenção Primária. Esta é composta por um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e, em alguns casos, de um agente comunitário. Diante disso, o que tem acontecido é um reforço no corpo de profissionais, como afirma Ribas:
– Em algumas unidades, aumentamos o número de profissionais, mas é uma demanda muito elevada. Na UBS Kennedy, temos em torno de 45 profissionais. São duas equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF), duas equipes de atenção primária, uma farmácia, uma sala de vacina e ainda tem uma ginecologista obstetra para demandas específicas daquela região. Outros postos têm o suporte de residências médicas.
“Ninguém atende o telefone”
No posto de saúde do Bairro Lorenzi, um aviso na porta indica que agendamentos de consulta médica para idosos podem ser feitos por telefone, toda segunda e terça, das 10h30min às 11h30min. Mas o aposentado Anoir Rigui, 80 anos, garante que não é bem assim na prática. Segundo ele, o telefone toca e ninguém atende. Como mora perto da unidade de saúde, resolveu “tentar a sorte” – como ele se refere à espera para realizar um agendamento. Na última segunda-feira (12), eram 6h20min da manhã quando se aproximou da fila. Com dificuldades de locomoção, tem na bengala uma companheira indispensável.
– Da última vez, me falaram para agendar por telefone. Ninguém mais atende o telefone, daí venho aqui, mas já perdi a viagem várias vezes. Vou tentar hoje de novo, para ver – afirmou.

Na escuta da reivindicação de Rigui, outros moradores da fila se manifestaram. Conforme eles, a dificuldade de agendamento por telefone é algo recorrente.
Questionado sobre o assunto, o secretário afirmou que a pasta tem conhecimento da demanda e que, para solucionar, pretende implantar o canal de WhatsApp em unidades de saúde com o maior fluxo de solicitações via telefone.
– Sempre que houver uma situação em que a população ache que não está sendo bem atendida, é importante fazer a ouvidoria. Isso nos auxilia para avançar os processos. Queremos implantar telefones funcionais, com número de WhatsApp, porque quando eles ligam nem todos são contemplados. E sim, eu tenho algumas reclamações nesse sentido, não só da (unidade de saúde do Bairro) Lorenzi.

Faltam, também, segurança e infraestrutura
Passava pouco das 5h, quando a técnica de enfermagem Mariluci Genro Terra Lima, 54 anos, chegou na Policlínica José Erasmo Crossetti, na região central da cidade. Foi a primeira da fila. Diante do frio que fazia na manhã da última segunda-feira e para garantir um lugar ao lado da porta de entrada, uma coberta e um banquinho. Para ela, a espera também era acompanhada do medo – já que ainda não tinha luz do sol, tampouco movimento:
– É bem complicado. Precisa vir esse horário. E fico com medo também, porque estou exposta aqui pra qualquer pessoa que passa na rua. Não pode entrar no posto, então fico com medo de ficar esperando. Mas não tem o que fazer, preciso disso. Meu filho tem diabetes tipo 1.

A segurança também é preocupação em outros bairros. Na UBS Oneyde de Carvalho, no Bairro Lorenzi, um dos moradores aponta para a escuridão e o barro que se formou em frente ao local. Lá, às 6h20min, quase 20 pessoas aguardavam na fila. Conforme os moradores, esse número chega a 60 em alguns dias.
– Todo mundo aqui é testemunha do que estou falando. Se tiver chovendo, como vamos parar empilhados perto da porta? Uns em cima dos outros? É bem difícil. É perigoso também. Aqui na frente é um matagal, não dá pra enxergar a faixa – disse Paulo Ferreira.

O que diz a Secretaria de Saúde
Em relação à infraestrutura e segurança, Ribas afirma que o diálogo já foi iniciado para a resolução dos problemas apontados pela população:
– Eu venho conversando com a Secretaria de Planejamento para que, no pacote futuro de obras, a gente consiga ter mais estruturas porque, às vezes, não inclui a estrutura de cobertura na frente. Sobre a questão de segurança, nós temos um grupo junto à Guarda Municipal sempre buscando que eles consigam circular nesses serviços. A situação da Lorenzi, por exemplo, eu levei para a Secretaria de Infraestrutura. Então, a gente vem trabalhando isso, porque não é uma demanda somente da Secretaria de Saúde, mas sim da gestão como um todo e eu preciso pedir esse apoio.
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