Da prospecção à divulgação: o trabalho do Cappa na descoberta dos dinossauros mais antigos do mundo

Guardiões de rastros dos dinossauros, os sítios paleontológicos atuam como um convite à descoberta. No Geoparque Global Unesco Quarta Colônia, são dezenas deles. O da Linha São Luiz, em Faxinal do Soturno, é espaço de estudos desde a década de 1990. Lá, foram achados os parentes mais próximos dos mamíferos, tornando-se uma peça-chave para entender a origem da classe no planeta terra. É a paleontologia que traz a singularidade para a região e a coloca no mapa do mundo, pelos olhos da Unesco. Perto dali, outros sítios guardavam segredos inéditos no mundo, que fizeram a região única na Terra. 

Foto: DinOrigin (Divulgação)

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Mesmo que, há 30 anos, seja referência na pesquisa paleontológica, o Sítio da Linha São Luiz não perde o potencial. A curiosidade, conforme os pesquisadores, ainda é a mesma do primeiro dia. Localizado no interior do município, poucos metros separam a estrada da parte do terreno de solo mais avermelhado, que indica a presença de fósseis. Logo na entrada, uma placa indica que ali é a “terra dos pequenos notáveis”, uma alusão a espécies de cinodontes como o Brasilodon quadrangularis e o Brasilitherium riograndensis encontrados ali.

– Esse afloramento, em específico, possui um patrimônio fossilífero incrível, de relevância mundial. Existe uma classificação de sítios e, o da Linha São Luiz, possui uma classificação internacional. Isso representa uma grande diversidade de formas. Muitas espécies novas foram conhecidas pela ciência através de fósseis daquela localidade. Espécies que estão em todos os textos e livros sobre biologia evolutiva e paleontologia – diz o paleontólogo e diretor do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa) da UFSM, Leonardo Kerber.


Propriedade do mundo

Dada a importância do sítio para a paleontologia, o espaço se tornou público. Conforme o prefeito de Faxinal do Soturno, Clóvis Montagner, um diálogo foi realizado com o dono da área, que aceitou o pedido de desapropriação da terra. Apesar da aquisição da terra não ser uma obrigação da prefeitura, entendeu-se que o processo era necessário. Foi a partir disso que o terreno, com aproximadamente 35 mil metros quadrados, tornou-se patrimônio do mundo.

– O fundamento principal do nosso geoparque é a questão da paleontologia. Então, vocês podem imaginar o tamanho da importância dos sítios paleontológicos. Era uma área que tinha um proprietário que aceitou fazer essa transação com a prefeitura para que se tornasse uma área pública. E, com isso, nós estamos cumprindo as exigências da Unesco, que é proteger esse patrimônio.

Prefeito Clovis Montagner, de Faxinal do Soturno, no geossítio da Linha São LuizFoto: Beto Albert

Para a pesquisa in loco, nos sítios paleontológicos, outro fator essencial está na sensibilização da comunidade, já que a maioria das áreas ainda estão localizadas em espaços privados:

– Lá no começo, quando aqui foram descobertos os primeiros fósseis, houve uma certa resistência. Hoje, os proprietários estão sensibilizados e abrem mão em favor da preservação. E quanto mais se fala na questão da paleontologia, mais as pessoas se envolvem. Então, esses são transmitidos com mais insistência. E a comunidade, por sua vez, vai entendendo e sentindo que vivemos nesse lugar tão rico.


Características dos cinodontes

  • Além dos dinossauros, são achados na região, incluindo no Sítio São Luiz, em Faxinal do Soturno, os cinodontes. Eles são os parentes mais próximos dos mamíferos. Os esqueletos são tão minúsculos, do tamanho similar a um rato, que muitos precisam de uma lupa para serem vistos em detalhes.
  • Foram reconhecidos como os parentes mais próximos dos mamíferos, tornando-se um dos fósseis mais importantes já descobertos. O Brasilitherium riograndensis foi achado no sítio São Luiz
Os achados na Linha São Luiz estão expostos no CappaFoto: Beto Albert


Trabalho do Cappa ajuda a região a se destacar internacionalmente

Quais espécies viveram antes de nós? Como era o planeta há milhões de anos atrás? Perguntas como essa buscam ser respondidas pelo Cappa a partir de cada fragmento encontrado. O paleontólogo, Leonardo Kerber explica que, depois de retirado do solo, o fóssil é levado para o laboratório para que seja analisado pelos pesquisadores. É neste momento que a categoria do animal é descoberta, por meio da análise de suas características e comparação com outros animais já catalogados pelo grupo.

Mais de 20 pesquisadores estão envolvidos no estudo dos fósseis

Nessa etapa, nada é descartado. No caso de novas espécies, o achado se torna objeto de estudo e escrita científica. Se já for de conhecimento, o material é analisado para complementar pesquisas anteriores. Três paleontólogos, um administrador e 20 alunos da graduação e pós-graduação são responsáveis por esse trabalho.

Consideramos que todos os fósseis são importantes. É claro que, quando achamos uma espécie nova, atrai mais atenção. Mas aqueles de espécies já conhecidas também são estudados e complementam o estudo que já temos sobre as espécies.

Leonardo Kerber, diretor do Cappa

Foi esse trabalho que colocou a Quarta Colônia no mapa do mundo. Os fósseis e a diversidade deles, do período triássico e que datam entre 233 e 255 milhões de anos, são os mais antigos do planeta, conforme Kerber:

A singularidade é pela abundância de fósseis e a qualidade do registro fóssil, que vão do triássico médio até o triássico superior. Aqui a gente tem uma série de fósseis que vêm sendo encontrados todos os anos e muitas espécies novas sendo descritas a partir daqui.

A característica também colocou o Rio Grande do Sul no Guinness Book, em 2021. O recorde mundial foi atribuído ao fato de que a formação rochosa Santa Maria, que vai de Candelária até Mata, passando pela Quarta Colônia e Santa Maria, é o berço dos dinossauros mais antigos da Terra. Ou seja, quem vive no Geoparque Quarta Colônia está pisando em um lugar único no mundo e pode ver, no Cappa, fósseis também únicos. Mais uma confirmação de que a região é rica em patrimônio paleontológico, armazenando espécies animais e vegetais que ajudam a recontar a história do planeta. É isso o que tem atraído mais de 5,5 mil visitantes de todo o Brasil e de mais de 20 países a cada ano para o Cappa, da UFSM, em Polêsine.


Espécies registradas no Guinness Book como recorde dos dinossauros mais antigos do mundo achados aqui na região

  • Saturnalia tupiniquim
  • Nhandumirim waldsangae
  • Buriolestes schultzi
  • Pampadromaeus barberenai
  • Bagualosaurus agudoensis
  • Gnathovorax cabreirai
  • Staurikosaurus pricei
Gnathovorax cabreirai é uma das espécies registradas no Guinness BookFoto: Beto Albert

Além da procura, da preparação e do estudo, a preocupação do centro é compartilhar os resultados que têm chegado a outros cantos do mundo. Os últimos achados são prova disso. A descoberta do fóssil de um antecessor dos dinossauros, em Paraíso do Sul, foi destaque em sites e jornais como The New York Times (EUA), The Gazette (EUA), Independent (Inglaterra) e Indian Express (Índia).

Para o diretor do Cappa, a divulgação internacional, reconhece a pesquisa do Cappa e também serve de vitrine para o geoparque:

Toda vez que sai um artigo novo, tentamos compartilhar os principais resultados com a mídia e o público geral. Assim, qualquer pessoa consegue ler e entender um texto técnico. Como os fósseis encontrados aqui tem uma importância muito grande, acaba tendo uma visibilidade muito grande. Então, qualquer espécie nova, chama a atenção. Foi um longo processo até a certificação e a paleontologia está diretamente ligada com o geoparque. Acaba servindo de vitrine para algo muito maior.

É toda essa riqueza, aliada à cultura, gastronomia e belas paisagens, que trouxe à região o selo da Unesco. É essa certificação que confirma ao mundo que, na Quarta Colônia, há algo único:

– Que bom que a Quarta Colônia, além dos seus costumes, da sua tradição e da sua linda história, tem essa riqueza. Isso representa, também, uma contribuição muito forte para a ciência mundial – afirma Montagner.


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