
Um homem simples, de riso aberto e, acima de tudo, humano. O legado deixado pelo papa Francisco será lembrado por todos, mas especialmente por aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo de perto. Dom Leomar Brustolin, arcebispo de Santa Maria, guarda na memória as cinco vezes que esteve com o pontífice argentino. Em entrevista ao Bom Dia, Cidade! de terça-feira (22), ele conta que não há, ainda, um favorito claro para suceder Francisco, mas ressalta que o novo papa precisará ter perfil para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo.
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Ao longo dos 12 anos de papado, Francisco lutou para tornar a Igreja Católica mais inclusiva. Para dom Leomar, esse legado não pode ser ignorado. O próximo papa precisará dar continuidade a esse caminho iniciado por Francisco, mantendo o espírito que marcou seu pontificado. A votação para a escolha do sucessor, conhecida como Conclave, deve começar entre os dias 6 e 11 de maio.
Encontros com o papa
Em 2015, quando foi nomeado bispo auxiliar de Porto Alegre, dom Leomar viajou até Roma e ficou frente a frente com Francisco.
— Lembro que disse: 'o senhor me nomeou para Porto Alegre'. E ele disse: 'exatamente, eu lembro o dia que assinei a tua carta de nomeação. Mas eu te mandei para um lugar muito frio, né?'. Eu respondi: 'não, porque eu venho de uma região mais fria que é Caxias do Sul'. Ele deu uma risada — relembra.
Em outra ocasião, ao compartilhar com o papa a dificuldade de transmitir a fé no Brasil, recebeu o incentivo de seguir em frente:
— Ele disse 'vai avante, caminha, vai dar certo'. Ele era um papa que não admitia que nós ficássemos olhando demais para os problemas. Ele queria que a gente caminhasse, caminhasse para frente — diz dom Leomar.
Quando foi nomeado como arcebispo de Santa Maria, em 2021, teve outra oportunidade de encontrar Francisco. Junto de outros religiosos, teve a oportunidade de conversar com o papa por cerca de duas horas. Embora todos os bispos falassem italiano, o papa Francisco fazia questão de se comunicar com eles em português:
— Ele dizia assim: 'bom, agora vamos conversar'. E eu conto essa peculiaridade porque isso é curioso. Você chega num chefe de Estado, no líder máximo, e ele diz assim: 'vamos sentar aqui. Ali, naquele canto tem água, vocês podem levantar, tomar água, tomar café. Lá naquele canto tem os sanitários, se vocês precisarem. Ninguém peça licença, vamos fazer um encontro tranquilo.' Ele pediu: 'por favor, façam perguntas para mim, que eu farei perguntas para vocês sobre o Brasil'. É impressionante, ele pedia que nós falássemos em português. A maioria de nós, morou na Itália, então nós sabemos o italiano. 'Não, falem em português, eu quero a língua de vocês', ele dizia. Uma pessoa fantástica!
Também teve a ocasião em que dom Leomar levou uma carta para Francisco, com o pedido de um título para a Mãe Medianeira. "Santo Padre, olhe essa carta com carinho", disse o arcebispo ao entregar o envelope. Em 2024, o pedido foi atendido, e Nossa Senhora Medianeira foi coroada como Rainha do Estado.
— Isto muda muito, muda toda a configuração da devoção a Nossa Senhora Medianeira e engrandece muito. Então, nós devemos muito ao Papa Francisco, esse homem da hospitalidade, da amizade. Ele era muito simples, de dar risada, um homem tão humano, por isso tinha uma ligação tão grande com o divino — ressalta.
O sucessor
Atualmente, a Igreja Católica possui 135 cardeais com menos de 80 anos e aptos a votar. O arcebispo não aposta em nenhum nome como favorito para suceder Francisco, mas reforça que o escolhido terá que dar continuidade a duas lutas que já eram destaque no papado do argentino: a busca pela paz e a emergência climática.
— Nós não imaginamos quem virá, mas quem virá terá um legado muito difícil, porque o próprio papa se sentia bastante desafiado. Trata-se, acima de tudo, de ver quem tem o perfil de não deixar a bola cair na questão especialmente dos desafios do mundo.
O sucessor deverá respeitar as mudanças feitas por Francisco na Igreja Católica, como, por exemplo, o reconhecimento da mulher na Igreja, conforme menciona dom Leomar.
Beatificação de santa-mariense vai atrasar
Com a morte do papa, alguns processos que dependem da decisão da Igreja Católica devem atrasar. Um exemplo é processo de beatificação do diácono João Luiz Pozzobon, que deve ser adiado.
— O processo que veio até aqui está consolidado. Agora, a análise, por exemplo, de tudo aquilo que ele o processo de heroicidade e virtudes, tem que ter o papa para poder assinar, e o processo da avaliação do milagre depende do papa. Agora, os processos ficam um pouco mais lentos, mas creio que não será impedido, e sim, adiado – comenta dom Leomar.
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