No alto da propriedade do casal Jarbas Kolling, 31 anos, e Elisiane Joras, 35, quatro canteiros de morango, mudados de lugar após as enchentes de maio, parecem significar um recomeço. O local escolhido não é à toa. Foi o único em que a água não chegou em Agudo, município que é um dos maiores produtores da fruta no Estado. Na parte debaixo da propriedade do casal, às margens do Rio Jacuí, o que sobrou das antigas estufas foram poucas mudas, apelidadas de “sobreviventes”. Isso porque, em maio, quando a água subiu, as mudas estavam recém-plantadas e o casal construía uma segunda estufa, com o objetivo de aumentar a produção. Pouca coisa sobrou. Cenário que se repete em outras propriedades e reflete na safra 2024, que terá atrasos neste ano.
– A produção antigamente era em estufa. Agora, precisamos produzir no chão porque, devido à enchente, fomos muito afetados. Atrasou muito o plantio, a floração está atrasada também, mas devagarzinho as coisas estão melhorando. O tempo está colaborando – conta Jarbas.
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A propriedade de Jarbas e Elisiane foi apenas uma, das 32 do município, afetadas pelas enchentes. As terras ficam localizadas principalmente em locais próximos à RSC-287 e às margens do Jacuí, conforme dados da Emater-RS. Ao todo, 85 produtores plantam morango em 3,8 hectares, tanto diretamente no solo quando em bancadas. De acordo com a engenheira agrônoma da Emater Kamila Santos, devido às chuvas, grande parte da produção foi perdida e está sendo replantada, o que atrasou a safra de 2024. No início de setembro, os produtores colhiam os primeiros morangos, diferentemente de anos anteriores, em que a produção já estava acelerada nesta época. A expectativa é que a colheita se intensifique nos meses de outubro e novembro. O preço da fruta não deve sofrer tanta alteração, mas alguns produtores elevaram em R$ 5 o quilo – atualmente comercializado a R$ 40. As bancas para venda de morango às margens da RSC-287, que nesta época deveriam estar repletas de frutas, estão praticamente vazias.
– Tivemos atraso na entrega das mudas vindas de Santa Catarina e da Espanha. E muitos produtores acabaram perdendo o plantio, o que vai ter impacto depois – diz Kamila.
Além das enchentes, a fumaça das queimadas na Amazônia, que deixaram o céu cinza nas últimas semanas, também afetam a produção, principalmente na qualidade.
– São vários dias sem sol forte que não temos radiação. Isso afeta a fotossíntese e, em consequência, o florescimento do morango. Afeta, também, o amadurecimento e a qualidade dos frutos – afirma Kamila.
A localidade de Linha Boêmia, onde residem Jarbas e Elisiane, foi uma das mais afetadas pelas enchentes dada à proximidade com o Rio Jacuí. Foram 20 dias ilhados. No momento que a água começou a subir, os produtores tentaram salvar o que podiam, mas a correnteza era tanta que, segundo eles, o tempo foi suficiente para resgatar apenas alguns materiais – que ainda ocupam um espaço na sala de casa. O casal, que há cinco anos se dedica à plantação de morango, estima um prejuízo de R$ 80 mil.
Pouco mais de um mês depois, na tentativa de retomar a produção, as estufas foram refeitas. Desta vez, no chão. Apesar da retomada, a produção atual não chega nem perto do que planejavam para este ano. Elisiane brinca que tem distribuído os morangos de meio em meio quilo, para agradar a todos. E a cada dia, conforme com a produtora, a lista de espera só aumenta:
– Foram dias de desespero porque não sabíamos onde a água poderia chegar. Mas não podemos baixar a cabeça, temos que seguir. Morango é a nossa paixão então, temos que produzir. Não vamos desistir tão fácil assim.
Números de Agudo
- 3,8 hectares é o total da área plantada, tanto diretamente no solo quanto em bancadas
- 85 produtores se dedicaram ao cultivo do morando no município
- 32 propriedades afetadas pelas chuvas
- 15 propriedades atingidas pelas águas ficaram submersas
Fonte: Emater/RS
Faltam morangos, sobra demanda
Na propriedade de Darci Friedrich, 63 anos, as fortes chuvas adiaram a expectativa de aumentar a produção de morango neste ano. Das 10 mil mudas previstas, 6 mil foram plantadas, porque não foi possível receber as plantas vindas de Santa Catarina e da Espanha. Todo o dinheiro reservado para aumentar a produção teve que ser direcionado ao conserto das estufas. Pouco a pouco, o trabalho tem sido dedicado também à reconstrução e ao plantio das mudas. Produtor de morango desde os oito anos, quando começou a acompanhar o pai, Friedrich não se abala pelo trabalho redobrado.
– As enchentes não atingiram a propriedade, mas as chuvas estragaram bastante. Tivemos que refazer toda a plantação. Está se desenvolvendo bem, mas vai atrasar – contra o produtor, que precisou reduzir o número de mudas devido aos altos custos.
Na propriedade da Naide Wilhelm, 60 anos, não foi diferente. Nos seis canteiros, dá para contar nos dedos o número de morangos maduros. Antes disso, ainda nas enchentes, as chamadas mudas da Espanha fizeram jus à fama de mais resilientes e de maior qualidade. No local, a estufa ficou embaixo d’água e destruiu cerca de 20% da produção. O que restou, ficou coberto de lama. A alternativa foi lavar as mudas com lava-jato.
– Esse ano a produção está devagar, por causa da enchente. Também muita chuva e muito frio. Atrasou bastante. Eu já tinha plantado quase toda a estufa. Uma parte morreu e outra conseguimos recuperar – conta a agricultora que, há 35 anos, se dedica ao cultivo do morango.
Cenário que se repete em outros municípios
Jarbas, Elisiane, Darci e Naide se somam aos produtores de morangos afetados em todo o Rio Grande do Sul. Conforme um relatório da Emater/RS sobre os impactos das chuvas e cheias de maio, foram quase 260 hectares e 428 produtores atingidos. Impacto que, conforme Kamila, terão impacto nos números finais:
– Quando formos contabilizar lá no final, a produção será menor. Foram vários que interferiram esse ano, como a chuva e a fumaça que, com certeza, terão impacto, principalmente se comparados a anos anteriores.
Números do Rio Grande do Sul
Conforme relatório da Emater/RS sobre o cultivo do morango
- 4.900 toneladas de perda na área atingida
- 259,94 hectares de área plantada nos municípios atingidos
- 428 produtores atingidos
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