Nos 167 anos de Santa Maria, confira os relatos de quem escolheu a cidade como lar

Nos 167 anos de Santa Maria, confira os relatos de quem escolheu a cidade como lar

Foto: Gabriel de David

Desde que recebeu a emancipação político-administrativa em 17 de maio de 1858, Santa Maria tem celebrado conquistas e avanços em diversas áreas. Com mais de 280 mil habitantes, o Coração do Rio Grande é conhecido pela evolução e história forjadas sob os trilhos de trens, que possibilitaram a chegada de povos com sonhos, tradições e ideias até a terra de Imembuí.

 
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Hoje, Santa Maria é referência na educação, com instituições de ensino que exportam pesquisadores para o mundo todo; na defesa, com um dos três maiores contingentes militares do país; na saúde, com a implementação de serviços e programas que, cada vez mais, elevam a qualidade de vida da população e no turismo religioso, com diversos lugares, entre eles, o Santuário Basílica de Nossa Senhora Medianeira, que foi coroada a Rainha do Povo Gaúcho em 2024.

Esses e outros feitos permanecem eternizados no hino escrito e musicado por dois expoentes da Cidade Cultura: Aristilda Recchia, que morreu em outubro de 2023, e o maestro Antônio Setembrino dos Santos, falecido em dezembro de 2019. Os artistas foram certeiros ao dizer que a cidade é “marco de abrigo e passagem”. Ao longo dos 167 anos, Santa Maria tem recebido milhares de pessoas de fora, que pelo acolhimento e pelas peculiaridades do cotidiano, escolhem ficar e criar um novo lar.

Esse é o caso do arcebispo emérito de Santa Maria, dom Hélio Adelar Rubert; da terapeuta ocupacional e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Kayla Araujo Ximenes Aguiar Palma; da artista plástica e diretora do Museu de Arte de Santa Maria (Masm), Marília Chartune Teixeira e do militar da reserva Marcelo Carvalho Ribeiro.

 Ao Diário, eles falaram sobre o amor pela cidade e os detalhes que a tornam tão especial.

Dom Hélio Adelar Rubert: “Eu agradeço ao povo de Santa Maria que me acolheu com muito carinho, paciência e amor”

Fotos: Beto Albert

Próximo a um quadro de Nossa Senhora Medianeira, o arcebispo emérito dom Hélio Adelar Rubert, 80 anos, relembra momentos felizes vividos em Santa Maria. Natural do município de Segredo, localizado na região centro oriental do Estado, o religioso conheceu a cidade na década de 1950.

 – Eu estudei dois anos em Ivorá e, em 1958, vim para o Seminário São José, em Santa Maria. Na época, tinha 12 anos e o Seminário ficava ao lado da Basílica. Depois, o prédio foi derrubado, deixando espaço para a devoção a Nossa Senhora Medianeira e às romarias. Permaneci aqui até 1964, quando concluí o Ensino Médio – recordou ele.

No ano seguinte, ele foi morar em Viamão, Região Metropolitana, onde começou a estudar filosofia e teologia. No fim de 1971, foi ordenado presbítero por dom Érico Ferrari na Paróquia São Marcos de Vila Segredo, em Sobradinho. Esse foi o passo necessário para que desempenhasse diversas funções e viajasse mundo afora.

Entre os momentos de orgulho, estão o mestrado em Sagrada Liturgia, realizado no Instituto Pontifício Santo Anselmo em Roma, na Itália; o encontro com o papa Francisco, em 2022, e as oportunidades conquistadas em Santa Maria. Dois anos após assumir como responsável pela Paróquia da Ressurreição, dom Hélio foi nomeado, em 1994, como pároco e reitor do Santuário Basílica. O momento em que recebeu a notícia é lembrado com emoção:

– Era a primeira vez que eu assumia um cargo de relevância maior na cidade. Quando eu fui nomeado para a Basílica, eu lembro de dizer para dom Ivo (Lorscheiter): ‘Mas eu sou tão pequeno como padre, como assumirei agora um enorme santuário como esse?’ e ele disse: ‘Não se preocupe. Jesus na eucaristia também é pequeno, mas é ele que vai te orientar e ajudar’. Além disso, eu sempre fui devoto de Nossa Senhora Medianeira. Então, sinto que recebi uma graça ao ser o reitor desse local tão importante para o Rio Grande do Sul.

Em agosto de 1999, o religioso foi nomeado pelo papa João Paulo II como bispo auxiliar da Arquidiocese de Vitória, no Espírito Santo. No local, desenvolveu uma nova paixão: o alpinismo. Em pouco tempo, as montanhas da Itália, Suíça e Peru dariam lugar aos morros da Boca do Monte. Segundo dom Hélio, após o retorno a Santa Maria como bispo diocesano da cidade, em março de 2004, participou de diversas ações no Morro do Cechella. Mas esse é só um dos lugares favoritos do religioso.

Para mim, toda a cidade está no coração. Claro que agora (o lugar favorito) é a Catedral (Imaculada Conceição). Mas o Santuário Basílica da Medianeira está sempre presente no meu coração, assim como o Seminário (São José) – afirma o arcebispo emérito.

Em 2011, dom Hélio tornou-se o 1º arcebispo metropolitano de Santa Maria e exerceu a função até 2 de junho de 2021. O motivo não foi a falta de trabalho ou dedicação à cidade. Foi a idade.

Quando um bispo chega aos 75 anos, ele precisa escrever uma carta para o papa, pedindo um sucessor. Assim, ele se torna emérito. Em 15 de agosto de 2021, eu passei a residir aqui na Catedral, auxiliando com o que fosse necessário e dom Leomar (Brustolin) assumiu como novo arcebispo. Eu agradeço muito ao povo de Santa Maria e a todas as paróquias que me acolheram com muito carinho, paciência e amor – disse, emocionado.

Em quase 30 anos vivendo na cidade da Rainha do Povo Gaúcho, ele revela que adquiriu outra paixão: o Inter-SM.

Desde jovem, sempre torci pelo Inter. Em Segredo, onde eu nasci, tinha o Sport Club Internacional. Por providência divina, quando vim para Santa Maria, tinha o Inter. Eu sempre gostei de esporte. Então, atualmente, sou conselheiro do Inter-SM e ajudo no que é possível – concluiu ele, com um sorriso.

Kayla Palma: “Hoje, Santa Maria é a minha casa. É o lugar onde me sinto segura”

De um condomínio no Bairro Tomazetti, a terapeuta ocupacional e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Kayla Araujo Ximenes Aguiar Palma, 52 anos, contempla o pôr do sol. Para ela, que é natural de Fortaleza, capital do Ceará, esse é um dos pontos fortes de Santa Maria. A trajetória de Kayla no Rio Grande do Sul começou há 24 anos, quando veio estudar em Porto Alegre para fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em 2011, a aprovação em um concurso público da UFSM mudou o destino da terapeuta ocupacional.

Eu vim para Santa Maria em 5 de junho de 2011 e vai fazer 14 anos que moro aqui. Quando chegamos, ficamos em um lugar muito bonito no Centro, do qual eu via todos os prédios, os morros e um pôr do sol lindíssimo. Também conseguia ouvir o barulho de um trem. Eu sempre achei isso interessante, porque não é algo comum de ouvir em cidade grande. Fiquei tão acostumada com o som, que quando me mudei, senti falta. Pensei: ‘meu Deus, agora eu não vou dormir’ – comenta Kayla, rindo.

Além do cotidiano acolhedor, a cidade tem outro significado para a professora da UFSM por conta da família. Foi aqui que nasceram as duas filhas de Kayla: Luísa, 13, e Helena, de apenas 11 anos. Ao lado do marido, o médico ortopedista e superintendente do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), Humberto Moreira Palma, 54, ela leva uma rotina de trabalho e maternidade que só acredita ser possível em Santa Maria.

Minhas duas filhas são apaixonadas por Santa Maria. Nós gostamos de viajar. Então, quando retornamos para Santa Maria e passamos perto da Base, a menor fica muito feliz e diz: ‘cheguei na minha casa’. E eu também gosto. É maravilhoso estar em uma cidade que oferece oportunidades simples, como almoçar em casa. Isso não existia na minha vida quando eu morava em outros lugares. Simplesmente, não dava tempo. Aqui, temos essa e outras vantagens como deixar os filhos na escola, conviver e conseguir curtir o fim de tarde. Lá em Porto Alegre, eu não tinha fim de tarde em casa, por conta do trânsito. Então, é muito bom aqui – observa a professora.

Apaixonada pela natureza, ela enaltece os espaços de lazer e os clubes campestres da cidade, porque são fatores que contribuem com a qualidade de vida – um dos objetivos da profissão que escolheu. Ao refletir sobre as idas e vindas que são tão características do Coração do Rio Grande, Kayla afirma que não pretende ir embora tão cedo.

 – Eu acredito que o sentimento de pertencimento depende da pessoa. Existe o lado ruim de estar longe da cultura e do lugar de origem. Mas também há coisas boas, como conhecer novas pessoas, novos costumes, outro clima, outras comidas e tudo isso também nos faz gostar de um lugar. Hoje, Santa Maria é a minha casa. É o lugar onde me sinto segura e tranquila. Eu viajo bastante hoje. Mas quando volto para a cidade, sinto-me em casa – conclui a terapeuta ocupacional.

Marília Chartune: “O início da minha vida em Santa Maria, eu nunca irei esquecer ”

Em um ateliê no centro da cidade, a artista plástica Marília Chartune Teixeira, 69 anos, utiliza tintas ou canetas hidrográficas para eternizar locais históricos de Santa Maria. O Theatro Treze de Maio, a Praça Saldanha Marinho, o prédio da antiga Sede da Sociedade União dos Caixeiros Viajantes (SUCV) e o Calçadão Salvador Isaia são alguns dos lugares que ganharam cores vibrantes nas telas produzidas pela artista nascida no município de Tocantins, em Minas Gerais.

Para Marília, que também é empresária e diretora do Museu de Arte de Santa Maria (Masm), os mais de 35 anos vividos na Cidade Cultura foram de acolhimento, amor e muita arte.

Eu vim para a cidade em 1989. Antes disso, morava no Rio de Janeiro. Eu tinha dois filhos quando vim para cá e conheci o meu marido. Hoje, tenho um filho santa-mariense também. Eu não abandonei a arte. Daqui, eu enviava meus quadros para os mercados de arte do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em 1992, criei o meu ateliê e pouco tempo depois, comecei a ter alunos. Entrei também para a Associação dos Artistas Plásticos, da qual fui presidente durante quatro gestões. Eu fiz amigos na cultura. Sempre estou trabalhando – conta.

Hoje, morando no Centro, a artista plástica recorda com carinho da primeira moradia no Bairro Perpétuo Socorro. Do local, ela e o marido, o empresário Marcelo Assis Moro da Rocha, 63 anos, ouviam o barulho do trem. Para Marília, o acolhimento dos santa-marienses à família foi essencial para que criasse os filhos Fabiano Fusaro, hoje com 43 anos; Bernardo Fusaro, 42; e Marcelo Filho, de 33 anos.

Para mim, o apito do trem é uma lembrança muito bonita da fase em que criei meus filhos pequenos. Morávamos em um prédio familiar e as pessoas eram muito agradáveis. Parecia que éramos todos de uma mesma família. E por isso, meus filhos tiveram uma infância muito boa em Santa Maria. Estudaram no colégio Sant’anna e hoje, dois são médicos (Bernardo e Marcelo Filho) e um é empresário em Minas Gerais (Fabiano). Essa lembrança da infância deles, as amizades e o início da minha vida em Santa Maria, eu nunca irei esquecer – afirma Marília.

As avenidas santa-marienses são a paixão da artista plástica, que rasga elogios à Rio Branco. Outro lugar que ganhou o coração da mineira é a Catedral Metropolitana de Santa Maria, onde teve a honra de ver as pinturas murais de Aldo Locatelli. Ao refletir sobre as oportunidades que encontrou no Coração do Rio Grande, Marília afirma que nada seria possível sem o acolhimento que já é tradição local.

Como mineira, sei que é muito difícil se adaptar em um lugar onde não conhece ninguém. Aqui, eu só conhecia o meu marido (risos). Mas acho que, como Santa Maria é uma cidade acolhedora e composta por pessoas que vêm de outros lugares, também foi mais fácil. As pessoas são mais acessíveis. Fiz muitas amizades e consegui me inserir no mercado de trabalho e na cena cultural. Isso me trouxe conforto – conclui.

Marcelo Ribeiro: “Entre idas e vindas, eu e minha família fizemos muitos amigos. É uma cidade acolhedora”

O primeiro contato de Marcelo Carvalho Ribeiro com Santa Maria ocorreu em 2017. O então major do Exército foi designado para servir no comando da 6ª Brigada de Infantaria Blindada. Natural do Rio de Janeiro (RJ), Ribeiro, 55 anos, percorreu várias cidades do Brasil, fez cursos em países como Espanha, Bélgica e Estados Unidos. Em 2021, retornou para Santa Maria para assumir o cargo de comandante da 6ª Brigada. Em 2023, após passar o comando, foi para a reserva e, a partir daí, não deixou mais o Coração do Rio Grande.

Santa Maria tem muitos atrativos. E, entre idas e vindas, eu e minha família fizemos muitos amigos. É uma cidade acolhedora, e essas relações interpessoais pesaram muito na hora de decidir onde fixar residência. Além disso, a localização do município permite o contato com a natureza e realizar passeios tanto em locais mais tranquilos quanto em grandes centros – comenta o general da reserva.

Um dos principais aspectos apontados por ele para fixar residência em Santa Maria é a segurança que a cidade oferece. Com a experiência de quem já passou por várias cidades e capitais brasileiras, ressalta o trabalho que órgãos, como a Brigada Militar e outras forças de segurança, desempenham. Pai de cinco filhos (dois ainda permanecem na cidade), esse aspecto pesou muito na decisão:

Aqui, ainda conseguimos andar pelas ruas, reunir os amigos e ter uma certa tranquilidade. Santa Maria tem um monitoramento eletrônico que possibilita essa vigilância por parte do Ciosp (Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Santa Maria).

Outro ponto destacado é a religiosidade que envolve Santa Maria. Junto da esposa Andréa, o general participa de grupos ligados à Igreja Católica – outro fator que levou a família a adotar a cidade. Essa forte ligação com a religião serviu de estímulo para desenvolver novas relações e desafios.

Com a vivência que temos, e as demandas que a cidade tem, sinto-me desafiado a ter esse papel social, de trabalhar pela cidade, de ajudar outras pessoas. Nada está pronto em uma cidade, e precisamos nos envolver para que as coisas aconteçam – ressalta ele.

Nesse sentido, com a proximidade da beatificação do Diácono João Luiz Pozzobon, aponta que Santa Maria precisa se preparar e se estruturar para receber mais fiéis.

A relação com a cidade também está fortemente ligada à formação militar. Foi na UFSM que Ribeiro concluiu o mestrado em Relações Internacionais. Hoje, mantém projetos que buscam reforçar a relação entre a universidade, as empresas e as Forças Armadas.

– Santa Maria tem um potencial imenso, mas falta interação entre a comunidade acadêmica e a produção local. A cidade precisa olhar mais para si, se enxergar como potência. As pessoas precisam ser mais ativas no sentido de buscar o diálogo, de promover parcerias, de valorizar o que é daqui. É preciso que a comunidade perceba o que tem. Só com o diálogo é possível crescer – diz Ribeiro, que criou uma empresa para aproximar empreendimentos locais, Exército e instituições de Ensino Superior.

Natureza e lazer

Um dos pontos altos citados pelo general é a natureza e o entorno de Santa Maria. Para ele, a facilidade de deslocamento e a proximidade com outros centros são aspectos positivos. Cita, por exemplo, a Quarta Colônia, que cresce nas áreas de turismo e negócios. Por outro lado, aponta algumas melhorias que a cidade precisa para ser ainda mais acolhedora. Uma delas é a ausência de ciclovias. Desde sua chegada à cidade, percebeu o grande número de ciclistas, porém, sem vias adequadas.

– Também sentimos falta de uma rua de lazer aos domingos. Poderia ser uma parte da Avenida Medianeira ou mesmo da Avenida Hélvio Basso. Falta uma área para a população praticar esportes, caminhar, passear com a família. A cidade carece de áreas de lazer – finaliza. (texto de Carmen Staggemeier Xavier)

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