Fotos: Beto Albert (Diário)
Entre tantas cores e propósitos que o mês de setembro pode ter está o de prevenção ao suicídio. Promovida há cerca de 10 anos no Brasil, a campanha do Setembro Amarelo busca mobilizar organizações, profissionais e população para falar principalmente sobre saúde mental. Neste contexto, os números de tentativas e óbitos por suicídio preocupam. Entre 2015 e 2023, as taxas de mortalidade em decorrência do ato no Brasil subiram 38,37%. No Rio Grande do Sul, o aumento foi de 32,17%.
Apenas em 2023, foram contabilizadas 1.548 mortes por essa causa, sendo uma porcentagem significativa na faixa etária de 60 anos ou mais. Os dados, que ainda são preliminares, fazem refletir também sobre saúde mental e envelhecimento saudável, pautas que inclusive são trabalhadas pelo Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, vinculado a Secretaria Estadual da Saúde (SES).
Na reportagem, conheça o perfil dos óbitos e tentativas de suicídio referente a essa população, como funciona o trabalho do Comitê, a importância de falar sobre o assunto e onde buscar assistência a saúde mental em Santa Maria.
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Cenário gaúcho
Historicamente, o Rio Grande do Sul apresenta as maiores taxas de mortes por suícidio no país e a tendência é de aumento, segundo o psicólogo e coordenador do Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, Bruno Moraes. Em entrevista ao Diário, ele analisou o atual cenário com foco na população idosa:
– Fechamos 2023 com 1.548 óbitos por suicídio. Esse índice é preliminar, ou seja, ainda pode aumentar. Desse número, 436 foram óbitos de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa 28% dos registrados. Sabemos que a população idosa está aumentando no Brasil e principalmente aqui no Rio Grande do Sul, por isso é importante destacar esses números referente à população idosa.
De acordo com Moraes, a taxa de suicídios entre pessoas idosas no Rio Grande do Sul é maior entre o sexo masculino e na faixa etária de 80 anos ou mais. Em 2021, esse grupo atingiu a maior taxa de mortalidade por esse agravo, com 50.01 %. Outro dado monitorado pela SES é de tentativas de suicidio e comportamento autolesivo.
– Temos duas fontes de informação, que é a tentativa de suicídio e óbito por suicídio. Na primeira, a fonte é a notificação que todo profissional de saúde tem que fazer quando ele identifica que aquele usuário, que está na frente dele, cometeu uma tentativa de suicídio ou um comportamento auto lesivo. Essa notificação é compulsória. Quando falamos sobre tentativa de suicídio ou comportamento autolesivo, percebemos um aumento das notificações em relação a população de 60 anos ou mais. Até 2019, ou seja, antes da pandemia, tivemos o maior número de notificações em relação a esse recorte da população. Foram 2.242 notificações. Pós pandemia, tivemos uma diminuição natural de todos os números de notificações. Entretanto, em 2022, esse número voltou a crescer – comenta o psicólogo.
Com relação ao perfil, foi constatado uma maior incidência de tentativas de suicídio, entre pessoas com 60 anos ou mais no Rio Grande do Sul, no sexo feminino. Embora muitos especialistas busquem justificar o cenário, Moraes descreve a missão como um desafio, devido às diversas possibilidades que vão desde a solidão até as diversas violências resultantes da desigualdade social:
– O suicídio é multifatorial e envolve questões economicas, sociais e psicossociais. Então, não conseguimos encontrar uma única justificativa para esse aumento da taxa de mortalidade por suicídio na população idosa. Claro que temos algumas hipóteses. É uma população que tem uma certa resistência a cuidar da saúde mental. Quando falamos no sexo masculino, vemos pessoas que tinha um papel de provedor, e hoje estão sendo cuidados. Ou seja, há uma questão de dependência e às vezes, ele se sente um ‘peso’ na família.
Conforme o psicólogo, o principal fator de prevenção à saúde mental para a população idosa é a socialização, sendo necessário incentivar a busca por ajuda:
– Tínhamos um estigma de que o sofrimento emocional era ‘frescura’. E agora, tentamos quebrá-lo. Para isso, é preciso falar sobre sentimentos e conscientizar a população sobre a importância de não ficar em silêncio quando está em sofrimento emocional. Fale com um amigo, familiar ou busque ajuda profissional indo na unidade de saúde mais próxima da sua residência.
Campanhas
Entre as responsabilidades do Comitê Estadual de Promoção da Vida e Prevenção do Suicídio, estão a elaboração de materiais sobre promoção da vida e prevenção do suicídio, capacitação de profissionais e a divulgação de campanhas, como a “Juntos na torcida pela vida - pedir ajuda faz bem” lançada no último dia 10.
– Que bom que temos esse mês e essa campanha, mas os números nos mostram a importância sobre falar desse tema durante os 12 meses do ano. Devemos realizar campanhas para todos os públicos e falar sobre esse tema de forma responsável, além de conscientizar a população sobre a importância de buscar ajuda. Infelizmente, os números aqui no Estado do Rio Grande do Sul acabam figurando entre quarto ou quinto lugar entre os estados do Brasil com as maiores taxas de mortalidade por suicídio. Em 2022, fechamos com o maior número da série histórica, que foi de 1.566. Infelizmente, são números como este que temos que combater, conscientizando profissionais e a população a pedir ajuda não somente em setembro, mas durante os 12 meses do ano – conclui Moraes.
Fique atento aos sinais
- Mudanças no comportamento como isolamento, tristeza persistente, poucas conversas, falta de motivação e interesses
- Alterações nos hábitos de sono e hábitos de alimentação desorganizado
- Aumento ou diminuição do peso de forma repentina
- Falas repetidas sobre se sentir “inútil” ou “um peso para a família” ou querer desistir da vida por não ter objetivos ou propósitos e não ver mais sentido em viver
“Precisamos ficar atentos à questão do envelhecimento e não ter preconceito ao falar sobre”, afirma especialista
Junto a geriatra Melissa Lampert, a professora do departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutora em Gerontologia Biomédica, Kayla Ximenes Palma, atua há 13 anos no Serviço de Geriatria do Hospital Universitário de Santa Maria (Gerihusm), ligado a Unidade de Atenção Domiciliar e dos Cuidados Paliativos (UADCP). No local, são recebidas pessoas a partir de 60 anos, de Santa Maria e região, que tenham sido encaminhadas para atendimento via Sistema de Gerenciamento de Consulta (Gercon), por outras especializadas no Husm ou pós alta por internação em geriatria na instituição.
Enquanto parte de uma equipe interdisciplinar, Kayla observa as especificidades e necessidades do grupo, fazendo um alerta para fatores internos e externos que podem contribuir para o agravamento da saúde mental dessas pessoas:
– Como fatores internos, temos as doenças crônicas que podem gerar incapacidade. Doenças que podem causar dependência, com limitações físicas, alterações de humor, depressão, ansiedade, dentre outras e que consequentemente podem promover uma perda de autonomia e independência nas atividades ocupacionais, de vida diária e de lazer. Com relação a fatores externos, devemos considerar a diminuição dos papéis ocupacionais ao longo da vida, condições socioeconômicas não favoráveis ao lazer e descanso, isolamento social, falta de acesso a serviços de saúde, preconceito etário, dentre outros.
O contato com os pacientes faz Kayla refletir sobre o atual cenário, que é de crescimento do número de pessoas idosas no Rio Grande do Sul. A especialista afirma que o envelhecimento ativo e saudável passa pela oferta de um ambiente seguro, de escuta contínua e de apoio psicológico, além da adoção de boas práticas e hábitos ao longo da vida.
– Precisamos ficar atentos à questão do envelhecimento e não ter preconceito ao falar sobre. Encarar a velhice como algo natural, porque é um processo natural. É uma fase que todos nós deveríamos querer chegar. Para ficar bem, precisamos ter hábitos saudáveis ao longo da vida. Isso envolve a alimentação, atividade física, espiritualidade, fazer amigos, ter boas noites de sono e principalmente, prevenção em saúde. Não deixar para procurar auxílio médico ou de saúde mental no sistema apenas quando já tiver sintomas – conclui.
Capacitação profissional
Além da família e dos amigos, os profissionais de saúde têm um papel importante no processo de acolhimento da população idosa, especialmente os que apresentam comportamento autolesivo. Segundo Kayla, profissionais como geriatra, psiquiatra, psicólogo e terapeuta ocupacional podem agir como facilitadores no processo de recuperação e tratamento do problema de saúde mental.
Para isso, ela indica que profissionais e entidades invistam em educação continuada em saúde da Pessoa Idosa nas áreas de geriatria, geriatria preventiva e de reabilitação; na ampliação de espaços interdisciplinares para sensibilização sobre os desafios emocionais enfrentados pelos idosos e por seus cuidadores; e no desenvolvimento e aprimoramento de habilidades de comunicação e escuta ativa com os familiares e o próprio idoso.
Serviços de saúde mental em Santa Maria
Acolhe Santa Maria
- Horário de atendimento – Segunda a sexta-feira, das 8h ao meio-dia e das 13h às 17h, com exceção das quartas-feiras
- Público – O serviço atende a população em geral, sendo necessário ser maior de 14 anos w Equipe – Composta por psiquiatra, psicólogos, assistentes sociais, enfermeira, agente administrativo, residentes de Terapia Ocupacional, Serviço Social e Psicologia da UFSM
- Endereço – Rua Conrado Hoffmann, 277, Bairro Nossa Senhora de Lourdes
- Telefone – (55) 3274-1582
- E-mail para contato – [email protected]
Centro de Valorização da Vida (CVV)
- Ligue para o 188 e fale com um voluntário
Atenção psicossocial
- Busque acolhimento em uma unidade de saúde de referência
Atitudes e medidas para um envelhecimento saudável
- Praticar regularmente exercícios físicos de preferência com atividades prazerosas para cada pessoa
- Praticar a espiritualidade e o autoconhecimento
- Ter uma rotina de sono regular e prezar pelo relaxamento
- Participar ativamente de atividades sociais e culturais com pessoas ou grupos de interesse
- Manter-se hidratado e ter a alimentação o mais balanceada possível dentro de sua condição socioeconômica
- Estabelecer uma rotina de acordo com seus hábitos, referências e desejos que inclua momentos de lazer e relaxamento do corpo e da mente