Refeição ao relento

Pessoas em situação de vulnerabilidade social precisam almoçar do lado de fora do Restaurante Popular

Eduarda Paz e Mateus Ferreira

Pessoas em situação de vulnerabilidade social precisam almoçar do lado de fora do Restaurante Popular

Fotos: Eduardo Ramos (Diário)

Em 2008, o Restaurante Popular de Santa Maria foi inaugurado. Ao longo de 15 anos, o local passou por reformas, ficou fechado por um período e com o início da pandemia de Covid-19, em 2020, começou a distribuir marmitas para serem levadas por causa das normas de segurança sanitária que previam o distanciamento social. Em maio de 2022, a empresa comandada por Ana Amélia de Freitas Saccol venceu o processo licitatório. No período, foi estabelecido que o sistema "pegue e leve" de marmitas ainda continuaria, por causa da emergência sanitária. Passado um ano, e com o fim da pandemia, a entrega de marmitex continua sem a população poder realizar as refeições no local. Muitas pessoas levam para casa a comida, contudo, outras almoçam pelos arredores, como no Parque Itaimbé, mesmo com o frio desses últimos dias.  A reportagem esteve no Restaurante Popular nas manhãs de segunda e terça-feira para conversar com as pessoas que utilizam o serviço e compreender o porquê do espaço não estar sendo utilizado para as refeições. 


O Restaurante Popular Dom Ivo Lorscheiter fica ao lado da prefeitura, na Rua Doutor Pantaleão, no Bairro Centro. São distribuídas 575 fichas diárias, além de 15 gratuitas para pessoas em situação de rua cadastradas no Centro de Referência de Assistência Social (Creas). O local funciona das 11h30min às 13h30min. De acordo com o edital de licitação, de 2022, do pregão eletrônico vencido pela empresa de razão social Ana Amélia de Freitas Saccol, o valor de R$ 3 pago por refeição não foi alterado e prevê um fornecimento diário de 590 refeições. Além disso, o edital coloca que é permitido o horário de funcionamento estendido para evitar aglomeração, em períodos de pandemia, e também neste caso ou com autorização da prefeitura e do Conselho Municipal de Segurança Alimentar de Santa Maria (Comsea), será permitida a venda de marmitex, no limite máximo de 2 unidades por pessoa.   


Anteriormente, as pessoas podiam realizar as refeições no espaço, recebiam o alimento no prato, junto com talheres, por R$ 3, suco natural por R$ 1 e uma sobremesa por R$ 1. 


Refeições são feitas nas ruas

Desde o final de 2022, as exigências sanitárias estabelecidas pela Covid-19 não são mais obrigatórias. No início de maio de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim da emergência de saúde pública. No entanto, pessoas que utilizam o serviço do Restaurante Popular continuam com o sistema pegue e leve.


Como é o caso de Cristiane Lima Barbosa, 39 anos, e de Leonardo Souza, 32 anos, que vivem em situação de rua e retiram as marmitas quando conseguem juntar dinheiro suficiente para fazer a refeição.


– Hoje, não conseguimos juntar o dinheiro suficiente para o almoço. Estamos no processo para conseguir a documentação no Centro de Referência de Assistência Social (Creas), para conseguirmos a ficha do almoço gratuito. Geralmente, não tem um local onde almoçamos, às vezes sentamos no parque (Itaimbé) para fazer a refeição. Quando esquecemos os talheres, porque eles não dão, usamos a tampa da marmita mesmo – conta Cristiane. 


Leonardo complementa que quando chove ou está muito frio para ficar no parque, eles tentam ir para baixo das marquises ou buscar abrigo em algum lugar, como em postos de gasolina.


– O pessoal apoia a gente, como vivemos em situação de rua. Mas com certeza queríamos que o Restaurante fosse aberto para comermos lá dentro.


Arredores do Restaurante Popular

O venezuelano e artista Steven Martínez, 26 anos, que está em Santa Maria há quase um ano, come todos os dias no Restaurante Popular. Desde que veio morar na cidade, as refeições são servidas em marmitex. Ele conta que consegue almoçar em casa, mas sempre passa por pessoas que estão almoçando aos arredores do Restaurante Popular. 


As escadas em frente ao Parque Itaimbé são o local diário da aposentada Eva Helena de Oliveira Soares, 65 anos, para fazer a refeição. Eva frequenta o Restaurante desde 2008, ano da inauguração, e conta que no início recebia suco, prato e talheres.


– Hoje, não temos mais nada. Eu trago meu garfo e faca e sento e como aqui mesmo. Com o frio a comida esfria mais rápido, mas eu almoço aqui, mesmo assim – relata a aposentada.


Durante a conversa, o que Eva achava ruim de toda a situação é não poder usar os sanitários dentro do Restaurante Popular. 


Questionamentos 

Em torno das 12h23min desta terça-feira, 575 fichas já tinham sido distribuídas. A partir do número 450, a pessoa pode levar apenas um marmitex. Quando a reportagem esteve no local, o gerente da empresa, Ricardo Henrique Baggio, explicou algumas questões relacionadas a continuidade dos sistema pegue e leve, mesmo após o final da pandemia, e por que os banheiros não estão sendo disponibilizados à população que usufrui dos serviços.


–  A gente continuou assim nesse sistema (de marmitas) até regularizar. Agora vamos fazer algumas mudanças progressivas, para voltar ao normal, o quanto antes. A partir do dia 3 de julho (previsão), o pessoal vai poder almoçar aqui, ainda com o marmitex, mas vamos dispor dos talheres. E quando voltar aos serviços de antes, vamos retornar com os pratos, como era antigamente. Em relação à bebida e à sobremesa, ainda vamos estudar.


Questionado sobre os sanitários masculinos e femininos, o gerente comenta que, no momento, eles estão fechados para manutenção, por isso ainda não voltaram a serem utilizados. No entanto, segundo relatos de pessoas, que não quiseram se identificar, os banheiros estão nesta situação há quase um ano. 


Além disso, a empresa avalia que se precisar voltar a realizar refeições no local, como era antes, o preço oferecido pode aumentar. 


Resposta do poder público

A prefeitura de Santa Maria, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social, respondeu em nota que quando ocorreu a contratação do serviço a previsão que se tinha era do sistema pegue e leve (a qual não está prevista a disponibilização de talheres):


"Com a intenção da Prefeitura em retornar com o sistema presencial, foram realizadas algumas pesquisas durante a fila, que apontaram que 80% dos usuários do restaurante gostariam que fosse mantido o sistema pegue e leve. A Secretaria de Desenvolvimento Social se reuniu com o Conselho Municipal de Segurança Alimentar, e ficou ajustado que o retorno seria gradativo para o sistema presencial. Dessa forma, foi dado um prazo para a empresa gestora se adequar, até porque são necessárias algumas adequações pontuais".


Em relação aos sanitários, a Secretaria de Desenvolvimento Social coloca que com a pandemia não podia haver aglomerações. Com a retomada das atividades presenciais, ficaram à disposição da população alguns banheiros. 


Além disso, há previsão de reajuste, que depende de aprovação do Conselho Municipal de Segurança Alimentar (Comsea), e não tem previsão para ser reaberto ao público, afirma a prefeitura em nota: 


"Reforça-se, ainda, que o reajuste em nada tem a ver com o retorno do sistema presencial e que não há data para apresentação de proposta de novo valor. O valor de R$ 3 por refeição está em vigor desde que foi reinaugurado, em dezembro de 2019".


Em entrevista ao Bom Dia, Cidade!, na manhã desta quarta-feira (14), o secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Social, Leonardo Kortz, afirma que terá o reajuste das refeições para R$ 4, mas sem previsão de quando começará o novo valor.  


Histórico sobre o Restaurante Popular

  • 2008 – Restaurante Popular é inaugurado
  • 2016 – Contrato do município com a ONG que mantinha o local é rompido, e espaço é fechado. Cerca de 400 pessoas por dia deixaram de ser atendidas 
  • 2017 – Quatro licitações são lançadas para renovação dos laudos das panelas, exigidos para emissão do Plano de Proteção Contra Incêndio (PPCI). Somente a última teve empresa interessada
  • Maio de 2018 – Espaço ainda não tinha previsão para reabrir 
  • Setembro de 2018 – Reabertura fica para 2019 depois que contrato com empresa que reformaria o telhado do prédio é rescindido
  • Março de 2019 – Jorge Pozzobom (PSDB) falou em oferecer gratuidade. Hoje, usuários cadastrados em Centro de Referência da Assistência Social têm acesso à refeição gratuita 
  • Abril de 2019 – Licitação para reabertura é lançada. A Serv Sul, de São Borja, assume a gestão
  • Junho de 2019 – Reforma de telhado passa por segunda licitação
  • Dezembro de 2019 – Restaurante Popular Dom Ivo Lorscheiter é reaberto 
  • Março de 2020 – Serviço se restringe a marmitas devido à pandemia 
  • Dezembro de 2020 – Contrato com a Serv Sul é renovado para 2021
  • Março de 2021 – Com a saída da Serv Sul, contrato emergencial é feito. Após três meses, o acordo é renovado por mais 90 dias. Licitação segue prevista 
  • Dezembro de 2021 – Licitação segue suspensa. Contrato emergencial pode ir até março w Março de 2022 – Licitação é lançada. Sete empresas demonstram interesse 
  • Abril de 2022 – Empresa vencedora é definida
  • Maio de 2022 – A empresa, comandada por Ana Amélia de Freitas Saccol, venceu o processo licitatório com um valor de R$ 1.024 milhão por 12 meses, prorrogável por mais 60 meses. O novo contrato não altera o valor de R$ 3 pago por refeição e prevê um fornecimento diário de 590 refeições, das 11h30min às 13h30min, de segunda a sexta-feira, exceto feriados. O sistema de marmitas seguirá sendo realizado
  • Junho de 2023 – Com o fim da pandemia de Covid-19, o sistema de marmitas ainda continua em funcionamento. As pessoas podem retirar até dois marmitex, mas não podem fazer a refeição no local. Não é distribuído talheres e os banheiros não estão sendo utilizados

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