opinião

O país do deixa pra depois que Deus vai dar um jeito



Um dos meus primeiros professores de Biologia no Colégio Estadual Manoel Ribas vivia repetindo que "a gente começa a morrer no dia em que nasce".

Uma coisa óbvia, mas que a nossa meninice custava um pouco a atinar. A cada dia que passa, realmente, nos aproximamos mais da morte. E menos tempo nos sobra de vida. Meu avô materno dizia a mesma coisa usando um ditado que ninguém mais conhece: "Tempo e hora não se ata com soga".

Anos depois, estudei quatro anos de latim com o querido e saudoso professor Albino Seibel, nos quatro livros: Ludus Primus, Ludus Secundus, Ludus Tertius e Ludus Quartus. E nas aulas de latim aprendi uma célebre frase de Virgílio (Georgicas, livro III, v.284) que se referem a este tema do tempo.

"Fugit irreparabile tempus"... O tempo foge, perdido para sempre.

Virgílio estava a nos avisar o que outros também perceberiam: o tempo voa. Portanto, não devemos desperdiçar o tempo em frivolidades.

Lembro disso quando vou visitar pessoas e elas estão vidradas em novelas da Globo. Eu mesmo me surpreendo perdendo tempo escutando discursos de políticos em redes de TV, apesar de saber que aquilo tudo é grotesca mentira.

Muitos namorados e noivos perdem tempo em brigas inúteis, em mágoas que vão matar o amor, ao invés de ocupar a boca e a língua em beijos intermináveis.

Muitos casais perdem tempo pegando seus travesseiros e, aferrados estupidamente a seus pontos de vista e pisando duro, vão dormir em quartos separados. O que é de uma burrice oceânica, principalmente quando a discussão é no inverno e poderiam dormir abraçadinhos, empernados, como mamíferos felizes.

Quanto tempo os proprietários de apartamentos perdem em exaustivas e intermináveis reuniões de condomínio? E muitas vezes os motivos são fúteis, um gatinho que miou, um cachorrinho que escapou para o corredor, um ar-condicionado pingando, um som que tocou mais alto, a desconfiança sempre presente de estar sendo logrado por todos...

Dia desses, na missa dominical da manhã na Catedral de Santa Maria, assisti a uma cena felliniana e que me tirou a concentração durante toda a celebração ministrada pelo meu amigo padre Ênio. Uma moça teclou seu celular e "falou" com alguém durante todo o tempo, alheia ao que se passava na igreja. E na hora da comunhão, botou o celular no bolso, levantou, comungou, voltou, sentou e voltou a teclar ao celular. Sem fazer juízo de valor, mas já fazendo, que valor teve a missa para essa jovem? Essa moça perdeu tempo, certamente.

Imagino que também os estudantes que façam uso do celular na sala de aula fiquem ausentes do processo educativo. Não estão nem aí para o conteúdo que o professor está tratando. Para não se incomodar, muitos professores não reclamam do aluno. Então, o aluno faz de conta que aprende. O professor faz de conta que ensina. O governo faz de conta que paga bem. As famílias fazem de conta que os filhos vão ter emprego depois da formatura.

É o país do faz de conta. Do talvez. Do quem sabe. Do jeitinho. Do nunca mais. Do deixa prá depois. Do Deus vai dar um jeito.

Até quando, insensatos?

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