
Eles foram criados na mesma rua, e na infância, os vizinhos se apaixonaram, juraram amor, acreditaram que andariam juntos pela vida e teriam dois filhos. O tempo passou, o relógio adiantou as horas, e mais apaixonados, namoraram, noivaram e casaram.
Depois de três anos, o primeiro filho e iniciam a família sonhada. Como o segundo não vinha, foram ao médico, fizeram um tratamento pouco lógico, aí a segunda, a terceira e a quarta gestação, mas sem bebê para mostrar, batizar, curtir, e o desejo infantil negado ao casal, uma chupeta e dois pesinhos a menos pela casa.
Choravam escondidos, ora juntos, ora separados. Estavam quase acreditando que seriam família de filho único, teriam de se acostumar com o que a vida lhes desenhara. Pior eram as perguntas e sugestões das pessoas, que não percebendo a sofrida realidade, insistiam que deveriam planejar mais filhos, sem saberem que todos os meses davam para o fracasso.
Numa tarde, daquelas enfarruscadas de inverno, enquanto mateavam e conversavam na cozinha, escutaram um choro abafado, constante, daqueles de lactente irritado pelas cólicas, vindo da porta da frente, ela dava para um pequeno gramado com um colorido canteiro que findava na calçada. Sufocado entre flores e espinhos, formigas e grama úmida, estava um minúsculo ser de olhos ainda fechados. Olharam para os lados, a rua deserta indicava que era um anjinho caído do céu.
Desconfiados, levaram a criança para dentro e chamaram uma amiga enfermeira. Enxoval já tinham. Adequaram a alimentação, falaram com o padre, e no dia seguinte procuraram as autoridades.
Como não apareceram os responsáveis, adotaram a criança e formaram a família tão sonhada na infância: um casal com dois filhos.
O tempo passou, os filhos foram aprendendo a conviver, a se amar, a brincar, a dormir sozinhos. Na adolescência espremeram a primeira espinha, se apaixonaram, riram, sofreram, viraram calouros, pegaram o diploma da graduação e do mestrado, e os pais se realizaram com o projeto de vida infantil executado.
Um dia, o primeiro filho chegou de mansinho, beijou os pais, e noticiou que fora nomeado para a vaga do concurso que tinha sido aprovado e partiria para o Canadá. Ali, o útero que lhe gerou, num misto de realização e dor, libertou-o do ninho, desejou-lhe felicidade, boa viagem, beijou-o carinhosamente, e lhe deu a conhecer o verdadeiro sentido da palavra "mãe".
Tempos depois, o filho do coração entra radiante, diz que fora indicado para uma missão no exterior, e nos próximos anos viveria na França. Mais abraço, beijo e votos.
Longe, um par realizado, na casa cabelos brancos saudosos vibram com o que queriam ter feito, e fizeram, mais agora sabendo que no Dia das Mães teriam dois pratos a mais na mesa.
Caro leitor, alguma vez pensaste em encontrar uma criança na sua porta?