Os médicos se comunicam com seus pacientes desde tempos imemoriais. A comunicação está no cerne da práxis médica. Provavelmente as primeiras formas de comunicação eram não-verbais. Os “healers” – curandeiros, pajés, xamãs - deveriam trocar ideias com seu pacientes de maneiras pouco formais. Bem, pouco se sabe. O tempo passou e outras formas de contato foram se estabelecendo. É provável que as cartas e o telégrafo tenham tenham permitido este contato entre médicos e pacientes, para que trocassem informações, orientações, receitas e condutas, quando se encontravam distantes.
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Graham Bell, inventor do telefone, provavelmente revolucionou a maneira como os médicos trocavam informações à distância com os pacientes. É bom salientar que estas informações não se baseiam em fatos históricos, mas na imaginação do autor. Seja pelo velho telefone pendurado na parede, com a intervenção de uma telefonista de voz distante, seja pelos antigos e pesados modelos pretos com discadores redondos, está presente em nossa imaginação a cena com o médico sentando para o almoço familiar de domingo com a família quando... trim-trim-trim...aquele trinado interrompia o prosaico evento familiar – era o médico sendo chamado por alguma urgência a ser resolvida imediatamente, no hospital, ou na casa do paciente. Eram outros tempos.
Rede de informações
Posteriormente, uma completa mudança de paradigma: ramais nos hospitais, telefones em clínicas e consultórios, enfim, uma verdadeira rede de comunicação se estabeleceu, conectando médicos, enfermeiras, pacientes e familiares. Os jornais, o rádio, a televisão, a mídia, enfim, magnificaram a rede de informações. Surgiram os pagers, aproximando cada vez mais médicos, pacientes e instituições (ressalte-se que ocorriam falhas relativamente frequentes, por um motivo ou por outro... “desculpe, não recebi a sua mensagem”...).
Por fim, adentramos na era do computador, da internet, dos smartphones e das redes sociais, onde observamos uma verdadeira explosão das fontes de comunicação – e a Inteligência Artificial começa a fazer parte desta complexa realidade. A informação, infelizmente, nem sempre é fidedigna, ética ou idônea.
A Pandemia pelo Covid-19 trouxe à tona possibilidades talvez já existentes de comunicação que sequer conhecíamos ou pensássemos em utilizar. Teleconsultas, conversas por aplicativos, reuniões virtuais, troca de documentos, exames, imagens, uma infinidade de possibilidades de interações virtuais alimentaram o pensamento de que as formas tradicionais de encontro entre médicos e pacientes,em consultas agendadas, em ambientes físicos, estavam fadadas a serem a exceção, e não a regra.
Ritual que conecta
Ledo engano. Uma vez superada (esta...) a Pandemia, aos poucos, os pacientes foram retornando aos consultórios, pessoalmente, para conversar com seus médicos. O encontro do médico com o paciente tem algo de ritualístico – fato sacralizado desde tempos imemoriais, quando os curandeiros massageavam as pessoas com seus unguentos, buscando aliviar seu sofrimento. O tempo na sala de espera, preenchido pelas mais diversas emoções – angústia, temor, pressa, impaciência – e conversas pontuais com as secretárias (... “o doutor está muito atrasado?”).
Finalmente, o aperto de mãos, a conversa, os olhares, os gestos, os silêncios. O exame físico, o ato milenar de inspecionar, palpar, percutir, auscultar, de maneira irrefutável preserva sua absoluta atualidade. Abraham Verghese, médico etíope de origem indiana proferiu um TED seminal, chamado Um toque de Médico, que explicita de forma extremamente sensível o exame físico, caracterizando-o como um verdadeiro ritual que conecta duas pessoas através do toque – evento que encerra em si perspectivas de cura e de alívio. A Semiologia médica, a arte e a ciência de obter informações do paciente, examiná-lo e inferir, a partir daí, hipóteses e possibilidades diagnósticas, permanece como o solo fértil onde se estabelece toda a prática da medicina assistencial.
Provavelmente enriquecido e diversificado pelas ferramentas digitais, descobrimos que, pelo menos por enquanto, nada ainda é capaz de substituir o contato personalizado entre duas pessoas. Esta conexão – e o mundo virtual ainda não permite este fenômeno tão peculiar e valioso – é essencial para que possamos almejar a cura. Ou, caso não seja.