Sentir antes mesmo de saber. O corpo avisa antes da mensagem chegar, antes do olhar se desviar, antes do jeito estranho no abraço que não toca mais. A intuição, como sabedoria silenciosa, gritava quando ainda existiam juras de amor por um tempo cujo fim não se soube exatamente quando chegou. Trair não é apenas no corpo – é no desejo revelado pelo pensamento que já não esconde mais as fugas disfarçadas. O tempo muda. A falta dele para você, também. A traição começa muito antes do ato; ela se inicia na omissão, no enganar, no afastar-se sem ter coragem de dizer que já não se está mais ali. A pergunta vinha: em que momento a escolha deixou de ser você? Ou será que você era apenas uma escolha conveniente, ditada pelo status que a sociedade exige?
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Nuances que mascaram uma traição
Perceber que a pergunta mais certa era: em que momento ele começou a mentir para si mesmo? Quem trai, primeiro trai a si. Se engana, se sabota, se esconde em desculpas que tentam justificar o injustificável, espalhando dor em quem menos merece. Sentir raiva, nojo, humilhação, tristeza, desejo de vingança e de parar o tempo para entender os porquês parece justo. A lucidez – ou a ausência dela – age de acordo com o tempo. A traição nunca foi sobre o seu valor, mas sobre a covardia e a falta de caráter de quem a cometeu. Ela desfaz, como num passe de mágica, todo o encantamento que um dia existiu. Rasga o brilho dos sonhos antes vividos a dois. Ela te faz pensar que nem todo amor vem com permanência – e que o compromisso verdadeiro exige coragem e integridade, principalmente para terminar uma relação com respeito antes de mudar a rota da vida. Muitos não tiveram essa coragem. Escolheram o caminho mais fácil, mais egoísta, mais perverso, mais sujo. Quebra-se, assim, o próprio espelho que reflete as verdades sobre si.
Os recomeços
Ela, então, passou a se refazer. Juntou seus retalhos e remendou seus rasgos, outrora provocados por navalhas afiadas que sempre estiveram ali – à espreita, pela falta de motivos. Escolheu se olhar sem culpa, se amar sem medida, se reconstruir sem pressa. E o tempo existiu – foi o único fiel na relação. Dói muito uma traição. Mas deve doer ainda mais em quem percebe a própria pequenez ao trair alguém. Descobrir uma traição é, muitas vezes, um livramento. Somos pegos de surpresa por um egoísmo disfarçado de necessidade, que fala mais alto do que o amor. Quem trai sempre tem uma desculpa na ponta da língua: “faltava algo em mim”, “você mudou”, “eu precisava me sentir vivo de novo”... O traidor pensa apenas em si. Esquece sua própria história para viver de resumos superficiais. Abdica do amor-próprio em troca de aventuras mundanas. Trair é, antes de tudo, mentir para si mesmo, escolhendo viver à margem, sem coragem de mergulhar no que é o amor verdadeiro. Só mergulha fundo num sentimento quem é inteiro – e não migalha.
Trai-se uma história
Trai-se uma confiança. Quebra-se um alicerce construído com esforço, paciência e escolhas diárias. Tudo isso é colocado em risco por um impulso, um desejo, uma fuga momentânea da responsabilidade. O egoísmo de quem trai é cruel, pois vive como se os outros fossem descartáveis. Quem trai quase nunca pensa no tempo que há de vir, tampouco no estrago que deixará. A traição geralmente vem acompanhada de uma distorção da realidade, na qual “estar bem” pertence apenas a um dos lados. E mesmo assim, depois de tudo, quem foi traído carrega nos ombros o peso da reconstrução. Ser traído por quem somava à sua vida, aos seus sonhos e aos seus filhos... é ser empurrado para fora da própria história. Mas descobrir que sua dignidade não se trai é como chegar ao fundo do poço e encontrar a luz que pode te guiar de volta. Os que foram capazes de trocar tudo por um desejo jamais souberam, de fato, o valor de ter tudo. Trair é, sim, uma escolha – e fala de quem trai, não de quem foi traído. Trair é escolher o atalho mais egoísta, que leva ao sofrimento – se não o seu, o dos que antes faziam parte do seu núcleo.
Existem tantos caminhos para evitar uma traição que ela já não tem mais nem graça. Porque toda mentira, mais cedo ou mais tarde, será revelada – e vai expor quem você realmente é. O ato de sentir prazer fazendo coisas escondidas precisa cair por terra. Não existe mais ação que não venha à tona. Use sua inteligência – ou a falta dela – para reconstruir seu caráter. Fure a sua bolha comportamental e corrija suas falhas. Tenha orgulho de quem você é. Seja o orgulho dos seus – e não a vergonha que teme, mas não tarda, em ser revelada. Quem tem amor-próprio e segurança emocional não usa a traição como ferramenta para se autoafirmar.