Em artigo, publicado no New England Journal of Medicine, em julho de 1980, o Dr. James Fries, da Faculdade de Medicina de Stanford, fala sobre o fenômeno da compressão da morbidade. Chamado Envelhecimento, morte natural e a compressão da morbidade, o artigo tece considerações sobre a perspectiva de, através de escolhas e hábitos de vida saudáveis, e de um melhor controle de doenças crônicas, a possibilidade de “adiamento” do surgimento de doenças e de suas complicações, reduzindo desta forma o tempo de incapacidade antes da morte. A morte natural era uma causa comum de atestados de óbito até certo tempo atrás. Atualmente, praticamente ninguém mais morre em decorrência de “causas naturais”; o Código Internacional de Doenças (CID 11) não admite que a velhice seja considerada como doença – à época de sua publicação houve uma grande polêmica relacionada ao tema, com uma movimentação da comunidade gerontológica internacional e um papel de relevância de gerontólogos brasileiros. Mas qual é o tempo máximo de vida? Jeanne Calment, francesa de Arles – onde chegou a conhecer Van Gogh – viveu 122 anos e 164 dias. Trata-se da pessoa com o registro de vida mais longo de todos os tempos. Porém, acredita-se que o tempo máximo médio de vida seja em torno de 85 anos.
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Qualidade de vida
A ideia da compressão da morbidade é que pudéssemos chegar a esta idade, ou próximos, com autonomia e qualidade de vida. Estamos falando em termos populacionais, pois individualmente – por questões genéticas, um pouco de sorte, ausência ou controle adequado de condições crônicas como diabetes, hipertensão arterial e artroses e uma vida saudável – cada vez mais se vê pessoas ultrapassando os 90 anos. Centenários tornam-se mais visíveis, mas, curiosamente, seu percentual na população tende a ser relativamente estável – permitindo-nos inferir que existe um limite biológico para a existência e que a morte por causas naturais não seria um conceito tão divergente. O atestado de óbito do príncipe Phillip, marido da Rainha Elizabeth II, falecido em abril de 2021, aos 99 anos, teve como causa velhice (“old age”), o que causou certa comoção – teoricamente a morte deveria ser decorrente de doença, e não da velhice.
Mas será que o fenômeno da compressão da morbidade está ocorrendo? Alguns estudos sugerem que, nos Estados Unidos, no que tange ao diabetes, suas complicações e, portanto, incapacidades, estariam sendo adiadas pelo tratamento adequado e precoce da doença e suas comorbidades. Mas não existe uma homogeneidade no comportamento das variáveis doença, velhice e incapacidade. Intervenções médicas tem permitido que as pessoas sobrevivam a eventos que seriam potencialmente fatais, gerando um enorme número de indivíduos, em sua maioria idosos, portadores de doenças crônicas, que conseguem superar, com a ajuda da tecnologia médica, situações de extrema gravidade clínica. Mas, frequentemente, sobrevivem em situações de completa dependência, necessitando de ajuda para alimentar-se, vestir-se, tomarem seus medicamentos e fazerem sua higiene. Frequentemente, estão acamados.
Setembro é o mês da conscientização do Alzheimer
Como decorrência, surge a necessidade do cuidador, que muitas vezes é um familiar (frequentemente este papel é desempenhado por mulheres já idosas) e, outras vezes, são cuidadores contratados. Isso ocorre na casa das pessoas ou ILPIs (instituições de longa permanência para idosos). Isso faz com que nos defrontemos com alguns problemas: a desvalorização dos profissionais – sendo que o cuidado cotidiano de pessoas idosas com variados graus de dependência é extremamente complexo e trabalhoso e a falta de treinamento destas pessoas, que não é normatizado. Usualmente sua formação é escassa e suas noções de cuidados são essencialmente empíricas. Além disso, este é um dos espaços sociais onde a desigualdade social mostra-se de maneira mais gritante. A escassez de recursos tem um papel determinante na qualidade do cuidado.
Setembro é o mês da conscientização do Alzheimer – o Setembro Lilás. Esta é uma doença que, fatalmente, leva à dependência e demanda de cuidados permanentes nas fases mais avançadas. James Fries, em seu artigo, já falava da necessidade de parcimônia em relação à procedimentos fúteis em extremos etários, apontando para cuidados de ordem paliativa em situações de questionável reversibilidade. Dois projetos que se voltam para a orientação de cuidadores de pessoas que sofrem com a Doença de Alzheimer organizaram eventos com expressiva participação: a Amica (Grupo de Assistência Multidisciplinar Integrada aos Cuidadores de Pessoas com a Doença de Alzheimer), da UFN, e a Pacto (Programa de Apoio aos Cuidadores da Terapia Ocupacional) da UFSM. Considerando que a compressão da morbidade possa ser uma miragem, estas iniciativas tem valor inestimável.