Foto: Vinicius Becker (Diário)
O Dia da Consciência Negra será feriado nacional pela segunda vez em 2025. A data, que faz referência à morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, é símbolo de resistência e motivo de reflexão sobre a trajetória do povo negro no Brasil. Embora esta comunidade avance em diversas áreas, a luta contra o racismo e o preconceito ainda é necessária. Em Santa Maria, 58 casos de crime de racismo e injúria racial foram registrados na Delegacia Especializada do Idoso e Combate à Intolerância (DPICOI). Em 2025, até o dia 17 de novembro, já havia 60 ocorrências. Na análise das autoridades e do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir), além do aumento dos casos, os dados podem refletir o encorajamento às denúncias e o aumento da confiança das vítimas na justiça.
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Impactos
Em uma sala no centro de Santa Maria, a enfermeira e presidente do Compir, Leila Coutinho, analisa alguns casos que chegaram até o orgão. Nos últimos anos, o Conselho tem auxiliado famílias que vivenciaram casos de racismo ou injúria racial e decidiram denunciar. Os impactos dessas situações na vida e cotidiano dessas famílias são comentados por Leila.
– Hoje, sabemos que o racismo causa um processo de adoecimento psíquico. A pessoa, que é vítima do racismo, sofre e fica doente. Quem convive e acolhe também sofre. Eu sempre vou atrás, converso com a delegada Débora Dias, para conseguir acompanhar os depoimentos. Sempre que posso, tento levar essa pessoa para ela não se sinta tão sozinha e despreparada. Até porque, quando chegamos nesse local, não vemos nossos corpos pretos nos recebendo. Entro nesse processo também para tentar algum apoio na rede, porque isso é muito importante também. É difícil, mas é um trabalho que o Compir faz com seriedade, compromisso, verdade, respeito e acolhimento – afirma Leila.
Em relação aos números de casos registrados em 2024 e 2025, a presidente do Compir acredita que um dos fatores que influenciou no aumento é o acesso à informação. Nos últimos anos, o Compir tem realizado ações de conscientização sobre o racismo e de promoção da igualdade racial em escolas e instituições de Santa Maria.
– Acompanhamos vários casos, e alguns são muito complexos, por isso, estamos nas salas de aula e demais espaços. Sempre lembro, nas palestras, que quem criou o racismo foi a branquitude e, por isso, ela tem o dever de mudar isso, de ser aliada na luta antirracista. Recentemente, fizemos um letramento racial com as equipes de saúde, que é uma das áreas em que o racismo é muito grande, seja na unidade básica de saúde ou na emergência. Em Santa Maria, não temos só a violência obstétrica. Temos também a violência odontológica, quando aquele dente não é tratado, mas sim, arrancado sem anestesia. E isso não pode acontecer. É preciso denunciar – afirma.
Avanços
Embora casos de racismo e injúria racial ainda sejam registrados, Leila acredita que a pauta tem avançado em Santa Maria, e não apenas no mês de novembro. Ao longo do ano, temas como autodeclaração e acesso a direitos têm sido debatidos com a comunidade.
– Ainda é muito difícil, mas estamos avançando. Iniciamos um processo de mapeamento de território na semana passada, no qual foi levado um cartaz de autodeclaração com fotos para as pessoas começarem a se enxergar e entender que existe o colorismo. Com isso, queremos ter um cenário real de pessoas atendidas e quantas têm doenças crônicas ou especificas como anemia falciforme. São dados que não temos e, se pedirmos para a Secretaria da Saúde, também não terão. Estamos em diálogo com a 4ª Coordenadoria Regional da Saúde (4ª CRS) e meus alunos do PET Enfermagem também estão somando. Fazer essa trabalho é importante, não somente para implementar essa política em Santa Maria de uma forma efetiva, correta, mas para garantir o repasse de recursos para a nossa população. A gente precisa trazer para nossa sociedade – diz Leila.
Trabalho da DPICOI
Os casos de racismo e injúria racial registrados em Santa Maria são acompanhados pela Delegacia Especializada do Idoso e Combate à Intolerância (DPICOI), no Bairro Nossa Senhora de Lourdes. Em entrevista ao Diário, a titular da pasta, delegada Débora Dias, analisou os dados e apontou os fatores que podem ter contribuído para o aumento de casos em 2025:
– Em 2024, tivemos 58 casos. Já em 2025, até o dia 17/11, tínhamos 60 registros de condutas que se encaixam na Lei de racismo. Até outubro deste ano, remetemos 33 inquéritos ao Poder Judiciário, sendo 10 com indiciamentos. Isso, porque chegamos à conclusão de que realmente havia indícios suficientes para a pessoa ser indiciada. Tivemos, sim, um aumento em 2025, mas eu percebo desde que iniciei nesta delegacia, em 2020, que isso (o aumento de casos) ocorre paulatinamente a cada ano. Não que tenham aumentado só as condutas criminosas, mas as pessoas também têm procurado mais a polícia para fazer o registro.
A situação das vítimas de racismo e injúria racial que chegam na Delegacia do Idoso e Combate à Intolerância também foi um dos pontos analisados pela delegada. Segundo Débora, em muitos casos, o registro da ocorrência ocorre após diversos episódios vivenciados.
– Muitas vezes, quando as pessoas vêm registrar e são ouvidas na delegacia, dizem que não passaram somente pelo fato do registro, não foi somente aquele caso. Elas relatam que sofreram, por muito tempo, discriminação e racismo, que é algo estrutural e não aguentam mais. Por isso, resolveram registrar. Percebemos muito isso. Talvez, (essa coragem) seja por estarmos falando mais sobre o assunto, daí a importância do Dia da Consciência Negra, segundo ano feriado nacional. Acho que são passos importantes para que as pessoas tenham consciência de seus direitos, para que fiquem alerta e saibam que racismo é crime.
Acolhimento
Ainda segundo a delegada, a maior parte das ocorrências de crime de racismo e injúria racial registradas na Delegacia é de vítimas entre 18 a 60 anos. Isso porque a pasta atende apenas maiores de idade. Quando os registros envolvem crianças ou adolescentes, os casos são investigados pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Santa Maria.
– Nosso trabalho aqui é, essencialmente, fazer a investigação e produzir um inquérito que seja bem instruído para que tenha consequência criminal. Embora o volume seja grande, procuramos chamar todas as pessoas envolvidas para que elas saibam que vão responder pelos crimes e racismo é crime. Temos materiais informativos, os quais levamos para palestras e distribuímos para a comunidade com orientações, alertando que qualquer conduta racista tem consequências. É importante as pessoas saberem disso e que esse comportamento discriminatório causa sofrimento às vítimas. Não podemos admitir isso. Esse problema tem que ser combatido não só com a parte criminal, mas com políticas de prevenção e de orientação para a comunidade de modo geral. Estamos fazendo a nossa parte e as pessoas devem procurar a Polícia Civil sempre que tenham sofrido ou tenham conhecimento de vítimas de racismo ou injúria racial – conclui Débora.
Atividades
Feriado nacional, o 20 de novembro também deve ser marcado por atividades eventos em todo o país. Em Santa Maria, a programação especial começará a partir das 15h, na Praça Saldanha Maria. Ao Diário, Leila falou sobre o planejamento para esta edição:
– No ano passado, fizemos uma Feira preta, com momentos culturais e artísticos, finalizando com um espetáculo no Theatro Treze de Maio. Esse ano, devemos fazer algo parecido novamente, mas com novidades. Vamos ter dois espaços na Praça: um ligado à saúde para trabalhar o quesito raça/cor para a implementação da nossa política, e o Espaço Erê para as crianças. Vai ter a hora do conto, brinquedos e muito mais. Outra novidade que vamos ter esse ano é o 4º Concurso Literário Antirracista do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da UFSM, que trará os participantes com os poemas, contos e crônicas para a Praça.
Nesta edição, 15 expositoras devem participar da Feira Preta. Segundo Leila, os grupos passaram por uma capacitação ao longo de 2025.
– Enquanto idealizadora, eu vi a necessidade de capacitar essas mulheres. Em janeiro deste ano, levei essa demanda à Secretaria da Cultura, e a secretária Rose Carneiro acolheu. Iniciamos as tratativas entre Compir, Secretaria da Cultura e Sebrae e montamos um curso de formação para essas mulheres, no qual elas aprenderiam a precificar, vender o produto, fidelizar o cliente, além de fazer um CNPJ e lidar com o dinheiro. Então, este ano, vamos ter essas 15 expositoras apresentando desde trança e crochê até acarajé. Tenho certeza que a feira vai estar muito linda e potente – afirma.
A programação termina com os espetáculos “Terezas de Benguela Presente – em homenagem a Zumbi dos Palmares” e “Os nossos passos vêm de longe”, que serão apresentados a partir das 19h no Theatro Treze de Maio. Os ingressos são gratuitos e podem ser adquiridos pelo site.
Participe!
Tributo a Zumbi dos Palmares
- Quando – Hoje, a partir das 15h
Programação
Praça Saldanha Marinho
- Das 15h às 20h – Feira Preta
- Das 15h às 18h – Espaço Erê com Mala ERER, hora do conto e jogos de diversidade
- 16h – Abertura oficial do evento
- 16h30min – Anúncio dos vencedores do 4º Concurso Antirracista
- 17h30min – Evelíny canta Samba de Raiz
Theatro Treze de Maio
- 19h – Espetáculos “Terezas de Benguela Presente — em homenagem a Zumbi dos Palmares” e “Os nossos passos vêm de longe”. Entrada gratuita. Os ingressos podem ser adquiridos pelo site theatro13demaio.com.br