Um dia, você está subido a escada que sobe há anos, e no meio do caminho sente-se um pouco cansado. No final da escada, está francamente enfraquecido, com falta de ar. Procura uma cadeira, senta-se e, depois de alguns minutos, sente-se bem novamente. Este cansaço começa a se tornar comum: todas as vezes que você sobe a escada, sente-se cansado e às vezes precisa parar no meio do caminho. Alguma coisa parece estar errada: o que foi uma sensação ruim, passou a se tornar rotina. Às vezes o coração também dispara. E um dia, parece que seus pés estão um pouco inchados. Você já sabe disso, queixa-se para alguém, e a pessoa fala o que para você é apenas uma confirmação daquilo que você já sabia: olha, acho que você deveria procurar um médico. Mas para que médico, minha pressão está boa, estou tomando os remédios direitinho... Bem, talvez algo diferente esteja acontecendo.
A insuficiência cardíaca corresponde à fase avançada de diversos problemas cardiovasculares, como a hipertensão arterial sistêmica. Vários problemas, como a cardiopatia isquêmica, miocardites, problemas valvulares, tem como evento em comum o desenvolvimento de insuficiência cardíaca. Não por acaso, é comum em pessoas idosas. “A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica complexa que afeta milhões de brasileiros. Entre janeiro de 2014 e junho de 2024, foram registradas 2.105.962 internações por IC no Brasil, com a Região Sudeste apresentando o maior número de casos (42%), seguida pelas regiões Nordeste (22,8%) e Sul (22,4%). A faixa etária mais afetada é a de 50 anos ou mais, com 87,9% das internações ocorrendo nesse grupo, destacando-se os indivíduos com 80 anos ou mais.”
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Bomba cardíaca cansada
Sua manifestação cardinal é a falta de ar. Sinal de que a bomba cardíaca está cansada. Ir ao médico adianta? Claro que sim. A cardiologia avançou de forma exponencial. Embora os clínicos gerais, geriatras e médicos internistas em geral tenham noções para conduzir um caso de insuficiência cardíaca, boa parte das vezes será necessária a avaliação de um cardiologista. Alguns quadros de insuficiência cardíaca podem ser causados por problemas nas artérias coronárias, e às vezes, a abordagem das coronárias por meio de técnicas como o cateterismo cardíaco com angioplastia e implante de “stents”, ou uma cirurgia de revascularização do miocárdio (“ponte safena”) podem reverter o quadro, caso a circulação coronária se reestabeleça de forma eficaz. O que não significa que um seguimento médico a longo prazo – provavelmente pelo resto da vida, deixe de ser necessário. É um órgão que já sofreu uma avaria, e merece uma manutenção. E não é qualquer órgão. É o coração. E o coração não pode parar.
A abordagem diagnóstica se faz através da história e do exame clínico, da utilização de exames complementares gerais e específicos do coração, como o ecocardiograma. Mas a insuficiência cardíaca é uma doença complexa – às vezes ela pode ser uma manifestação de outras doenças que repercutem no coração. Por isso, não existe uma abordagem única e individualizada. E desta maneira, o tratamento também não obedece à um padrão único: embora existam protocolos e diretrizes, a forma como ela é abordada em cada pessoa é individual. Do ponto de vista farmacológico, normalmente é necessário o uso de múltiplos medicamentos para controlar a condição, e que devem ser tomados de maneira continuada, sob supervisão estrita do médico assistente. Estes medicamentos muitas vezes exigem ajustes, alguns são suspensos e outros introduzidos. Tecnologias como os marcapassos, ressincronizadores, desfibriladores, são utilizados em situações específicas e fazem parte do armamentário hoje disponível para o tratamento da insuficiência cardíaca. São tecnologias caras, que tem indicações em algumas condições.
Será que dá para prevenir a insuficiência cardíaca? Pode-se fazer muitas coisas para tentar evitar esta enfermidade. Cuidar da alimentação e da quantidade de sal que você consome, tratar da hipertensão arterial, do colesterol e do diabetes, ter uma vida fisicamente ativa, evitação do cigarro e do excesso de álcool são algumas estratégias.
Lembrando que a insuficiência cardíaca pode representar a fase final de várias doenças cardíacas, os cuidados paliativos podem ter um papel no sentido de levar conforto e dignidade aos portadores da doença em fase muito avançada. Costumamos pensar em cuidados paliativos para pacientes oncológicos, mas várias doenças que levam a situações de grande complexidade e eventualmente, de terminalidade, podem se beneficiar desta abordagem, como problemas pulmonares, hepáticos, renais e neurológicos crônicos. Já é bastante estudada a oferta de cuidados paliativos para portadores de insuficiência cardíaca.
Portanto, desde suas primeiras manifestações, muito pode ser feito. Procure seu médico, se estiver tendo falta de ar. Isso não é normal.