Ansiedade, desigualdade e falta de esperança: os fatores por trás da crise em saúde mental

Ansiedade, desigualdade e falta de esperança: os fatores por trás da crise em saúde mental

Foto: Vinicius Becker (Diário)

O mês de Setembro Amarelo marca a campanha de conscientização sobre a prevenção do suicídio

​Em um Estado onde a mortalidade por suicídio cresceu 47,7% entre 2015 e 2023, falar sobre saúde mental tornou-se ainda mais urgente. O novo Boletim Epidemiológico da Secretaria Estadual da Saúde (SES), divulgado na última terça-feira (23), mostra que o Rio Grande do Sul registrou no ano passado 1.528 mortes por suicídio. O número mantém o Estado na liderança nacional do indicador: em 2023, a taxa chegou a 16,07 óbitos por 100 mil habitantes — quase o dobro da média brasileira, de 8,6. Em 2024, mesmo com uma leve queda, o índice ficou em 14,87, ainda o maior do país.

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Para o psiquiatra e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maurício Scopel Hoffmann, o suicídio não pode ser reduzido a um resultado direto da depressão ou da ansiedade. Segundo ele, existem múltiplos fatores que podem levar alguém a atentar contra a própria vida. 

— O suicídio não necessariamente tem a ver com ansiedade e depressão, ele pode ser causado por várias coisas. Muitas vezes são mortes pelo desespero, que surgem de contextos de desemprego, mudanças bruscas de vida, solidão e transtornos de personalidade — afirma.

Hoffmann coordenou uma pesquisa com dados do DataSUS, de 2000 a 2019, que apontou que os casos de suicídio têm aumentado especialmente entre homens em idade produtiva, com escolaridade média. No Rio Grande do Sul, os números acompanham a tendência. Segundo ele, o Estado mantém há décadas uma taxa em torno de 20 casos por 100 mil habitantes, com índices ainda mais altos em regiões como a faixa que vai de Santo Ângelo, Ijuí e Cruz Alta até Santa Cruz do Sul. Entre os fatores que explicam esse cenário está a menor procura por ajuda entre os homens. 

— A pressão psicológica fica guardada, e, sem espaço para falar sobre isso, parece que a solução mágica para os problemas é acabar com a própria vida.

Ele lembra também que fatores como uso de álcool e drogas, desemprego, retorno do cárcere, rupturas familiares e perdas aumentam o risco; por isso, políticas sociais amplas são necessárias.

Fatores por trás da crise em saúde mental

A cada ano, o Brasil registra um número maior de casos de suicídio, e entender as causas desse crescimento exige olhar além da dimensão clínica. Para Hoffmann, que estuda o tema com base em dados nacionais e internacionais, o fenômeno tem raízes principalmente sociais e econômicas. Ele lembra que, embora transtornos como ansiedade e depressão estejam em alta, especialmente no Ocidente, o suicídio não está necessariamente ligado a eles. 

E a explicação para a escalada de sofrimento psíquico em países das Américas e da Europa, diferente do que se vê em regiões como a Ásia, está no impacto das transformações socioeconômicas recentes. Hoffmann observa que as gerações nascidas a partir dos anos 1980 enfrentam a necessidade de se qualificar mais e estudar por mais tempo para receber salários menores e com menos perspectivas de estabilidade. Ele lembra que, nos anos 1980, um americano comprava a primeira casa aos 32 anos, enquanto hoje isso ocorre, em média, apenas aos 56. 

— As novas gerações se moldam no exemplo dos pais, mas não conseguem alcançar os mesmos bens e conquistas. Isso gera frustração e pressão, sobretudo nas camadas sociais mais baixas, onde a desigualdade é mais sentida.

Como reconhecer os sinais de que é hora de buscar ajuda

Tristeza, ansiedade e preocupações fazem parte da vida e, em certa medida, cumprem até uma função de proteção. O alerta, segundo Hoffmann, deve surgir quando esses sentimentos deixam de ser passageiros e passam a alterar o modo de ser da pessoa. Ele explica que, quando o humor muda de forma duradoura e não retorna ao equilíbrio, é hora de considerar a necessidade de ajuda profissional. 

— É aquela tristeza que não vai embora, que dura semanas, junto com a perda de prazer e de interesse nas coisas. Nada mais faz sentido, a pessoa se culpa e se sente um fardo, e isso não desaparece — afirma.

Os sinais da depressão são claros quando se observam em conjunto: tristeza persistente, dificuldade de atenção, alterações de sono (seja insônia ou sono em excesso), mudanças no apetite e pensamentos recorrentes de que a vida não vale a pena. Em alguns casos, surgem ainda ideias de autolesão. Hoffmann reforça que, quando esses sintomas se mantêm, trata-se de uma condição médica reconhecível e com tratamento eficaz.

A mesma lógica vale para os transtornos de ansiedade. Se as preocupações se tornam excessivas, se tudo parece urgente, se o sono não vem porque a mente não consegue parar de girar em torno de pendências, é sinal de que a ansiedade saiu do campo normal e tornou-se um problema clínico. A irritabilidade constante e a sensação de estar sempre em dívida com a vida completam esse quadro. Para o psiquiatra, o ponto central é compreender que, em ambos os casos, não se trata de uma fraqueza pessoal, mas de um transtorno de saúde mental que pode e deve ser tratado.

Quais caminhos podem reduzir os índices de suicídio e transtornos mentais

Se a compreensão das causas do suicídio revela um fenômeno multifatorial, as estratégias de enfrentamento também precisam ser pensadas em diferentes níveis. O psiquiatra explica que existem medidas individuais que ajudam no manejo da ansiedade e da depressão, mas que o peso maior recai sobre os fatores sociais. No cotidiano, práticas como reservar momentos de descanso, evitar o excesso de conexão com o trabalho, manter períodos livres de telas antes de dormir e praticar exercícios físicos têm impacto positivo. Ele observa, no entanto, que grande parte da população que mais sofre com transtornos mentais não tem condições de adotar essas práticas. 

— Quem pode pagar uma academia ou reservar tempo para si deveria fazer, mas a maioria não tem esse privilégio.

O desafio maior, de acordo com ele, está na dimensão coletiva. Hoffmann reforça que as causas do suicídio e do aumento de casos de ansiedade e depressão são, em sua maioria, não médicas. Estão relacionadas à falta de perspectivas, à pobreza, à desigualdade de renda e à pressão por resultados que não se concretizam. Para ele, o exemplo é comparável a regiões em guerra, como Gaza: não é possível tratar a saúde mental de quem vive sob risco real de morte sem antes remover a causa do sofrimento.

— Não adianta falar em tratamento individual se a pessoa não tem condições mínimas de viver com dignidade — afirma. 

No Brasil, o aumento da taxa de suicídio nos últimos anos, especialmente após a crise econômica de 2015, está diretamente ligado ao enfraquecimento das condições de vida. No Rio Grande do Sul, os casos saltaram de cerca de 1,1 mil em 2010 para 1,5 mil em 2024, passando de 10 para 15 casos a cada 100 mil habitantes. Para reverter essa curva, o psiquiatra aponta: políticas públicas de redistribuição de renda e redução da desigualdade são fundamentais. Ele lembra que investir apenas em educação não resolve se as pessoas não encontram empregos condizentes com sua formação ou não têm esperança de conquistar uma casa ou sustentar a família. 

— O que realmente pode reduzir os índices de suicídio e transtornos mentais é devolver às pessoas a perspectiva de vida, e isso é papel do Estado — conclui.


Em Santa Maria

A Câmara de Vereadores de Santa Maria promoveu, na noite desta segunda-feira (22), uma audiência pública para debater o “Setembro Amarelo” – mês de prevenção ao suicídio. A atividade foi coordenada pelo vereador Alexandre Pinzon Vargas (Republicanos), no Plenário da Casa Legislativa.

Vargas lembrou que, por meio da Lei Nº 6.746/2023, foi instituído no município o programa “Valorize a Vida”, voltado à prevenção do suicídio e à promoção do direito ao acesso à saúde mental. Conforme explicou o parlamentar – autor do projeto que deu origem à lei – o programa tem como objetivos ampliar a conscientização sobre o tema, capacitar cidadãos a identificar sintomas entre jovens e adolescentes e reforçar a importância do acompanhamento e da prevenção de quadros de sofrimento ou transtornos psíquicos que possam conduzir ao suicídio.

Durante sua manifestação, o vereador destacou ainda a necessidade de instalação de câmeras de monitoramento na ponte da Euclides da Cunha, local recorrente de casos de suicídio. A proposta prevê, no mínimo, duas câmeras ligadas diretamente ao Centro Integrado de Operações de Segurança Pública de Santa Maria (Ciosp), além do cercamento da estrutura. Vargas também informou que, em conjunto com o vereador Manequinho, pretende destinar emenda impositiva para viabilizar a instalação das grades de proteção na ponte.

A reportagem questionou a prefeitura de Santa Maria sobre a demanda. Em resposta, o Executivo informou, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade, que até o momento não há projeto para colocar grades na ponte.

A imagem mostra como o trecho ficaria com as grades de proteção Foto: Reprodução

Cuidados para o dia a dia 

Para transtornos de ansiedade e depressão, Hoffmann aponta medidas de autocuidado que têm efeito comprovado como complementares ao tratamento clínico:

  • estabelecer limites com o trabalho e telas: reservar horas do dia sem conexão com demandas profissionais;
  • criar momentos regulares de descanso e distração para “desligar” a mente de ruminações;
  • atividade física regular — exercício reduz sintomas de ansiedade e depressão;
  • higiene do sono e práticas que reduzam a exposição a estímulos nas horas que antecedem dormir;
  • manter vínculos sociais e procurar interlocução (amigos, familiares, grupos de apoio).

Para quem percebe sinais em si ou em alguém próximo, o que fazer?

  • Não ignore mudanças duradouras de humor ou comportamento;
  • Procure ajuda profissional: médico, psicólogo, serviço de saúde local (unidade básica, ambulatório de saúde mental);
  • Se houver risco iminente (ideação ativa, plano, acessos a meios), acione emergência ou encaminhe a pessoa a um serviço de urgência imediatamente;
  • Apoie sem julgar: escuta ativa, oferta de companhia e encaminhamento para suporte profissional fazem diferença;
  • Incentive autocuidado: sono, alimentação, exercícios, rotina e limites com trabalho/tela;
  • Compartilhe recursos: onde houver serviços locais de saúde mental, divulgue horários de atendimento, grupos de apoio e canais de escuta


Serviços públicos em Santa Maria

SANTA MARIA ACOLHE - EQUIPE AMENT TIPO III
Demanda espontânea de usuários a partir de 12 anos sem vinculação prévia com outro serviço especializado da RAPS, em crise emocional aguda e com relação direta e recente com quadros de trauma, luto, covid e ao contexto suicida (entende-se por contexto suicida: ideação, tentativa ou pensamento).
Endereço: Rua Conrado Hoffman, 277 
Telefone: (55) 3174-1582 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira das 08h às 12h e das 13h às 17h.

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POLICLÍNICA DE SAÚDE MENTAL

Endereço: Rua dos Andradas, 1.397, Centro (entre as ruas Serafim Valandro e Duque de Caxias)
Telefone: (55) 3174-1594 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 17h.

E-mail: [email protected]

Ambulatório Transcender
Referência para população LGBTTQI+ (lésbica, gays, bissexuais, transsexuais, travestis queer, interssex e outros), para esclarecimentos, acompanhamento e encaminhamentos no âmbito individual, familiar, social e comunitário.

Endereço: Rua dos Andradas, 1.397, Centro (entre as ruas Serafim Valandro e Duque de Caxias)
Telefone: (55) 3174-1594 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 17h.
E-mail: [email protected]

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POLICLÍNICA JOSÉ ERASMO CROSSETI (psicologia)
Demanda de atendimento psicológico, encaminhada pelo Setor de Regulação da Saúde Municipal (Sistema SIGSS MV)
Endereço: Rua Floriano Peixoto, 1752 - Centro
Telefones: (55) 3174-1593 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta das 7h30min às 16h30min

Profissional prestadora de serviço:

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CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

CAPS II Prado Veppo
Atende pessoas com transtornos mentais graves
Endereço: Avenida Helvio Basso, 1.245 (a partir do dia 29/01/24 passará a atender na Av. Fernando Ferrari, 1684)
Fones: (55) 3174-1582 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira das 08h às 18h.

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CAPS Ad II Caminhos do Sol
Atende pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas
Endereço: Rua Euclides da Cunha, 1695
Fone: (55) 3174-1582 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira das 08h às 18h.

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CAPS Ad II Cia do Recomeço
Atende pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas
Endereço: Rua General Neto, 579
Fone: (55) 3174-1582 - Horários de funcionamento: de segunda a sexta-feira das 08h às 18h.

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CAPS i II - O Equilibrista
Atende Crianças e Adolescentes com Transtornos Mentais
Endereço: Rua Conrado Hoffmann, nº 100
Fone: (55) 3174-1582 - Horários de funcionamento: de segunda-feira à sexta-feira das 08h às 18h.



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