
Entre as 246 espécies de aves que vivem no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), uma em especial vem chamando a atenção nos últimos meses: a seriema. Com até 90 cm de altura e 1,5 kg, vocalização alta que pode ser ouvida a 1 km de distância e hábitos peculiares, ela se destaca em meio ao cenário urbano do campus, que fica em Camobi. Entre suas características, estão a habilidade de correr longas distâncias, o hábito de dormir em árvores e a construção de ninhos em forquilhas, geralmente de 1 a 5 metros do chão.
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Recentemente, a presença dessas aves protagonizou alguns incidentes que preocuparam a comunidade acadêmica. No final de julho, um trabalhador terceirizado que fazia análise de água próximo à Reitoria relatou o primeiro episódio. Pouco depois, na primeira semana de agosto, também na área da Reitoria, uma professora também foi surpreendida por uma seriema, que chegou a bicar sua orelha. Poucos dias depois, uma estudante de Terapia Ocupacional foi ferida na região da cabeça e boca próximo ao Centro de Ciências da Saúde (CCS), caso que trouxe mais atenção para o tema.
Os registros das aves no campus começaram no segundo semestre de 2024, quando um casal foi avistado. Depois vieram os filhotes, e atualmente há pelo menos quatro indivíduos na área mais urbanizada da instituição, além de outra família na chamada área nova, que corresponde ao espaço rural.
Segundo a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), não há justificativa técnica para retirar os animais, já que são silvestres de vida livre e estão saudáveis. A orientação é de manter distância, não alimentá-los e compreender sua importância para a fauna local.

A última linhagem das aves terror

De acordo com a bióloga Marilise Mendonça Krügel, professora do Departamento de Engenharia Sanitária Ambiental da UFSM, a seriema (Cariama cristata)é descendente da linhagem das extintas aves terror, predadoras de topo da América do Sul durante o Cenozóico. Entre as mais de 240 espécies de aves registradas no campus, é uma das maiores.
A docente explica que trata-se de uma espécie da fauna brasileira, não ameaçada e com ampla distribuição, que vai do Sul até o sul do Pará. A alimentação é variada: insetos, minhocas, pequenos vertebrados, como répteis, anfíbios e até outras aves.
— Aqui no campus, já registramos uma seriema se alimentando de um filhote de cardeal e de uma cobra falsa-coral — conta.
A especialista também chama atenção para a convivência: a presença das seriemas na área urbanizada do campus é recente, e durante meses houve tranquilidade. Os incidentes, segundo ela, são pontuais e possivelmente ligados ao período de reprodução, quando os animais ficam mais territoriais.
Marilise acrescenta que as aves menores, como cardeais, sabiás e joões-de-barro, também ficam mais agressivas no período reprodutivo, mas não causam tanto impacto quanto a seriema, justamente pelo porte.
— Os quero-queros também são mais agressivos durante o período reprodutivo. Mas como eles são menores que as seriemas, não causam tanto medo. Mas a maioria das aves que estão nesse ambiente mais urbanizado são de porte menor, então é quase não tem interações que possam causar algum medo para as pessoas. É, a seriema realmente ganhou destaque por ser um animal bem diferente, de porte grande — explica.
Orientações de convivência com as seriemas:
- Não se aproximar das aves para tirar fotos ou selfies;
- Nunca oferecer comida;
- Manter distância sempre que possível;
- Ter atenção redobrada em áreas abertas, como em frente à Reitoria, ao Planetário e nos gramados próximos;
- Lembrar que, no entardecer, as aves buscam vegetação mais alta para passar a noite.

“Foi muito rápido”, diz estudante

A estudante de Terapia Ocupacional Thalyta Ortiz de Oliveira, 21 anos, foi surpreendida por uma delas enquanto aguardava transporte próximo ao prédio da Odontologia, nos fundos do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). Na última quarta-feira (20) à tarde, por volta das 13h, Thalyta deixava uma reunião quando avistou uma seriema próxima à porta de vidro dos fundos do prédio. Como no sábado anterior havia se deparado com as aves em situação tranquila , enquanto tomava chimarrão com amigos no campus, não se assustou.
No entanto, ao sair em direção ao carro de aplicativo que havia chamado, a estudante passou a poucos metros da ave.
— Eu parei um pouquinho para esperar o carro estacionar e, nisso, ela montou em cima de mim. Foi muito rápido, não sei como chegou à minha cabeça. Precisei me agachar porque ela era pesada, e aí me bicou na boca e me arranhou na cabeça com as garras — conta.
Segundo Thalyta, outras duas seriemas estavam próximas, mas não se aproximaram. Ela foi levada pela mãe e pela namorada até a UPA, onde recebeu atendimento imediato. Precisou tomar antibióticos, anti-inflamatórios, analgésicos e a vacina antitetânica, que só conseguiu após procurar em cinco postos de saúde.
— Eles (da UPA), ao mesmo tempo que eles davam risada, eles estavam chocados, porque eles nunca tinham visto isso acontecer. Um deles até brincou que ia ter que tirar foto do meu prontuário porque nunca tinha visto isso.
A recuperação exigiu repouso e afastamento das aulas. A dor, as feridas e o susto ainda acompanham a estudante.
— A dor era como arranhão de gato, só que muito pior. Também fiquei com dores no corpo da tensão, de correr agachada. Sou muito pequena, peso 38 kg, e a seriema era quase do meu tamanho — relembra.
A maior preocupação de Thalyta, no entanto, é com a segurança da comunidade.
— Ali na Odontologia e na Terapia Ocupacional, atendemos idosos, crianças, pessoas com deficiência, além de público externo. É perigoso acontecer de novo.
Orientação dos órgãos ambientais
A universidade buscou orientação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), responsável pela licença ambiental do campus. A recomendação foi clara: não há indicação técnica para retirar as seriemas, já que são animais silvestres de vida livre e em bom estado de saúde. A remoção, segundo a Fepam, poderia causar impactos negativos à fauna local.

Monitoramento e medidas de prevenção
Segundo Nicolli Reck, do Setor de Planejamento Ambiental e Coordenadoria de Obras e Planejamento Ambiental e Urbano (COPA) da UFSM, já vinha monitorando a presença das aves há cerca de dois meses, em articulação com professores, biólogos e veterinários. Entre as preocupações estão o tráfego de veículos e o hábito das aves de consumir ração de gatos.
— Assim como reforça a Fepam, a orientação é não fazer manejo, principalmente porque elas estão no início do período reprodutivo. São aves típicas da nossa região, então não há justificativa técnica para removê-las -destacou Nicolli, que é responsável pelo licenciamento ambiental do campus.
Para reforçar a conscientização, a instituição está produzindo placas de sinalização que serão espalhadas por todo o campus. A medida segue orientação dos órgãos ambientais e deve alertar para evitar alimentação, aproximação e disponibilização de comida de animais domésticos às aves.
— Primeiro é conscientizar a comunidade acadêmica: são animais silvestres e precisamos manter distância, não provocar, não alimentar. Além disso, vamos investir em comunicação e instalar placas de identificação em diferentes pontos da universidade, não só sobre as seriemas, mas sobre toda a fauna que vive aqui — afirmou Nicolli.
A recomendação, assim como foi pontuado por Marilise, é redobrar os cuidados, especialmente em dias de maior circulação, como nos eventos de domingo, quando muitas famílias e animais domésticos frequentam o campus. Ela lembrou ainda de uma orientação recebida de técnicos do Ibama: as seriemas são animais curiosos, atraídos por objetos brilhantes.
— É importante ter cuidado com brincos, anéis e, principalmente, a região dos olhos, porque podem se aproximar por curiosidade — disse.

eFauna: ciência cidadã na UFSM

Para auxiliar no monitoramento da biodiversidade que vive no campus, a UFSM lançou o aplicativo eFauna UFSM. A ferramenta permite que qualquer pessoa registre avistamentos de animais no campus em questão de segundos.
📱 Como funciona
- Disponível gratuitamente na Play Store (Android 9 ou superior);
- Possui a aba “Conhecendo a Fauna”, com listagem de 354 espécies já registradas;
- Permite registros mesmo quando o usuário não reconhece a espécie, que depois será validada por moderadores;
- Pode ser usado como recurso didático em escolas, auxiliando nas aulas de Ciências e Biologia.
O aplicativo foi desenvolvido em 2023 por professores e acadêmicos da UFSM e coordenado pela professora Marilise Krügel. O objetivo é estimular a ciência cidadã, formando uma rede de voluntários que ajude a mapear e proteger a fauna do campus.