Diário explica: por que a Reforma da Previdência é necessária?

Diário explica: por que a Reforma da Previdência é necessária?

Foto: Vinicius Becker (Diário)

O que é um déficit atuarial? Por que a previdência precisa de reforma se os servidores já contribuem? E o que o cidadão comum tem a ver com isso? Em Santa Maria, a necessidade de ajustar o Regime Próprio de Previdência Social envolve questões técnicas, legais e sociais. Logo, entender essas razões é essencial para compreender por que a reforma deixou de ser uma possibilidade e passou a ser uma necessidade.

Na reportagem, o Diário explica como são feitos os cálculos, a evolução ano a ano, a opinião de especialistas e as propostas do projeto de lei da reforma da Previdência, que chegará à Câmara em outubro.


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As justificativas para a Reforma em Santa Maria vão ao encontro de dois desafios que aparecem, também, em alterações de outros Regimes Próprios no país: o envelhecimento da população e o déficit do sistema previdenciário. De acordo com a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atuária, Máris Gosmann, a reforma não é uma escolha, mas uma obrigatoriedade imposta por uma emenda constitucional do governo federal.

Ela tem sido postergada, mas é necessária. Não só em Santa Maria, mas em todos os municípios que têm RPPS (Regime Próprio de Previdência Social). É uma discussão que interessa a toda a sociedade porque uma parte da previdência dos servidores públicos é custeada pelo ente, ou seja, pelo município, com os recursos que ele arrecada. Então, se a arrecadação não for suficiente para sustentar o sistema, o município precisa tirar dinheiro de outras áreas para pagar aposentadorias.

No caso do déficit no sistema previdenciário, a professora aponta os dois erros mais comuns quando se trata de Regimes Próprios: a inexistência de contribuições efetivas no passado e a postergação da dívida.

Só a partir de 1998, é que passamos a exigir efetivamente essas contribuições. Então, o primeiro fator é esse: a demora em entender que era necessário guardar dinheiro, porque a aposentadoria é cara. O segundo fator é a rolagem da dívida. Cada prefeito tem um mandato de 4 anos, e quer resolver os problemas mais imediatos. Ele olha para a dívida da previdência e pensa: “Preciso pagar agora ou posso empurrar para depois?” Aí descobre que existe uma legislação que permite postergar. E o que acontece quando você adia uma dívida? Ela fica mais cara.

Outro fator mencionado é o envelhecimento da população. Isso porque, quanto mais pessoas aposentadas, maior a conta previdência. Se, em 1923, quando a Previdência foi criada, as pessoas com mais de 60 anos eram apenas 4% do total, hoje representam 15%.

Porém, para o advogado Guilherme Huber, é preciso ter cuidado ao fazer comparações em relação à expectativa da população:

– Ao mesmo tempo em que as pessoas vivem mais, elas vivem melhor. Hoje em dia, uma pessoa com 60 anos não é mais a mesma de 60 anos nas décadas de 80 ou 90. Hoje, são pessoas que ainda estão em plena atividade. O que antes era chamado de "idoso", hoje não é mais, necessariamente, um fardo para o governo. Pelo contrário: esses profissionais mais experientes são, muitas vezes, a galinha dos ovos de ouro do sistema, porque têm salários mais altos e, por isso, contribuem mais. E contribuindo mais, ajudam a manter a saúde financeira do sistema.


Entenda outros detalhes sobre o assunto na reportagem: 


Déficit atuarial de R$ 4,5 bilhões acende alerta sobre a Previdência

Um estudo técnico realizado em 2025 apontou um número que preocupa: o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) de Santa Maria acumula um déficit atuarial estimado em R$ 4,5 bilhões. O valor representa a diferença entre os recursos atualmente disponíveis (cerca de R$ 200 milhões, de acordo com dados enviados pela empresa responsável pelo cálculo) e o total necessário para garantir o pagamento das aposentadorias e pensões, caso todos acessassem os benefícios ao mesmo tempo.

O dado é resultado de um cálculo atuarial, uma projeção financeira e demográfica que avalia a sustentabilidade dos regimes próprios de Previdência. Esse tipo de estudo projeta quanto os municípios e os servidores precisam acumular ao longo do tempo para garantir que os benefícios previdenciários sejam pagos não apenas hoje, mas também no futuro.

Em 2025, a prefeitura precisará aportar R$ 215 milhões para pagar aposentados e pensionistasFoto: Vinicius Becker (Diário)

O cálculo atuarial permite mensurar o risco e o custo futuro do sistema previdenciário, aplicando técnicas estatísticas e financeiras para projetar se haverá equilíbrio entre receitas e despesas – explica o atuário Ian Coutinho, responsável pelo relatório de avaliação atuarial de Santa Maria, com projeção para 2025.

O anuário também explica, em entrevista ao Diário, que quando um regime previdenciário está em equilíbrio, a receita é suficiente para cobrir as despesas com aposentadorias e pensões, presentes e futuras. No caso de Santa Maria, isso não acontece. O resultado mostra um cenário de desequilíbrio atuarial: o montante necessário para cumprir as obrigações previdenciárias é muito maior do que os recursos disponíveis no momento.

Os riscos do sistema previdenciário de Santa Maria são extremamente elevados e continuarão crescendo caso medidas urgentes não sejam adotadas – alerta Coutinho.

Ele também explica que, além da insuficiência de recursos, o valor do passivo atuarial (o total que precisa ser reservado para cobrir os benefícios atuais e futuros) tende a crescer ano após ano. Por isso, entre as principais recomendações do parecer atuarial, está a necessidade de reforma. Segundo ele, ao estabelecer idades mínimas e alíquotas mais altas, o impacto direto será na redução do passivo futuro, já que os servidores contribuirão por mais tempo antes de se aposentar.


Investimentos possíveis

Entram, ainda, na soma de fatores que levam à reforma, os investimentos em outros setores como saúde, educação e infraestrutura. Ou seja, obras no município que poderiam ser feitas com os valores complementares que hoje são destinados ao Ipassp. Para fins demonstrativos, a prefeitura apresentou um cenário de investimentos possíveis a partir de 10% do repasse complementar, ou seja, R$ 25 milhões.


2 Unidades Básicas de Saúde: 

  • A UBS Dom Antônio Reis, por exemplo vai custar R$ 3,2 milhões 
  • Sendo assim, duas UBS com esse valor, equivalem a R$ 6,5 milhões 

2 Escolas Municipais de Ensino Infantil: 

  • A Emei Criança Cidadã, por exemplo, teve um investimento de R$ 4,8 milhões
  • Duas Emeis com esse valor equivalem a R$ 9,7 milhões 

1 rua (com drenagem pluvial, pavimentação, calçada e sinalização)

  • Exemplo: a Rua Garibaldi Schimitz teve um investimento de R$ 3,2 milhões 

Desse valor simulado, de R$ 21,5 milhões, ainda sobrariam em torno de R$ 1,9 milhão que poderiam ser investidos em outras áreas


Fonte: Cartilha sobre a Reforma da Previdência, disponível no link


O que pode mudar com a Reforma 

O projeto de lei da reforma da Previdência dos funcionários da prefeitura de Santa Maria será enviado à Câmara em outubro após a prefeitura ouvir propostas dos sindicatos e demais envolvidos. Os cenários iniciais previstos pelo Igam preveem as seguintes mudanças, que ainda podem ser alteradas,já que não é a proposta concreta.


Idade mínima para se aposentar

PROFESSORES

Como é hoje

  • Mulheres - 50 anos 
  • Homens - 55 anos 

Como pode ficar

  • Mulheres - 57 anos
  • Homens - 60 anos


DEMAIS SERVIDORES MUNICIPAIS

Como é hoje

  • Mulheres - 55 anos
  • Homens - 60 anos


Como pode ficar

  • Mulheres -  62 anos
  • Homens - 65 anos


AUMENTO DE ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO

Servidores da ativa

  • Como é hoje – Atualmente, o desconto para Previdência é de 14%
  • Como deve ficar – Em um cenário, as alíquotas poderão ficar em 14%, 16%, 18% e 20%, conforme a faixa de renda do servidor. Em outro cenário, poderão ficar em 14%, 18% e 22%. É um sistema progressivo de alíquotas, o que gera uma alíquota efetiva menor na prática, variável conforme o salário do servidor. Porém, esses percentuais ainda estão em discussão com os sindicatos e o Ipassp


Servidores aposentados e pensionista

  • Como é hoje – Aposentado que recebe até o teto do INSS, de R$ 8.157,41, não tem desconto de Previdência. Para quem ganha acima disso, paga 14% sobre o valor que excede o teto. Por exemplo, um aposentado que recebe R$ 9 mil tem desconto previdenciário de R$ 117,96, pois são 14% dos R$ 842 que excedem o teto do INSS. A título de comparação, um servidor da ativa que ganha R$ 9 mil tem desconto de R$ 947
  • Como deve ficar – Todos os aposentados com proventos acima de 1 salário mínimo passam a ter desconto de Previdência com as novas alíquotas propostas


OUTRAS REGRAS PREVISTAS

  • Em casos de incapacidade permanente comum, o benefício será proporcional ao tempo de serviço, enquanto em acidente ou doença de trabalho, o cálculo de 100% da média aritmética
  • A integralidade deixa de ser garantida em casos de doença grave. Já a pensão por morte passa a ser de 50% da aposentadoria mais 10% por dependente, sem reversão das cotas, e vitalícia apenas para quem tiver a partir de 45 anos (na data do óbito)
  • As propostas incluem regras específicas para aposentadoria especial, como no caso de servidores com deficiência, que passam a ter critérios definidos em lei municipal, e a criação de regras de transição baseadas em pontos ou pedágios. Nas aposentadorias voluntárias, tanto pelas regras permanentes quanto pelas de transição, o cálculo dos proventos será assim: 60% da média das contribuições acrescidas de 2% para cada ano de contribuição que ultrapassar 20 anos. Já os servidores admitidos até 31/12/2003 que cumprirem requisitos das regras de transição terão direito à integralidade dos proventos e à paridade


Especialistas avaliam cenários de Santa Maria

Para o advogado Guilherme Ziegler Huber, que atua e acompanha de perto o cenário em Santa Maria, a Reforma deveria ter sido feita de forma mais transparente. Ele defende que a existência do deficit deve ser discutida de forma mais aprofundada.

– Eu acredito que não necessariamente deveria ter ocorrido antes (a Reforma). Mas acho que ela deveria ter sido feita de forma mais transparente. Devemos nos perguntar: existe mesmo um déficit? E, se existe, quais são os motivos? Será que o problema do IPASSP-SM (Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores Públicos Municipais de Santa Maria) é a quantidade de aposentados? Ou será que o próprio governo municipal tem retirado valores da Previdência e os destinado a outras áreas da prefeitura?

Para ele, o ponto mais crítico das mudanças são as alíquotas, ou seja, aquele percentual descontado na folha de pagamento:

– A média salarial do servidor público municipal gira em torno de R$ 9 mil e, segundo o projeto de reforma, são justamente os servidores que recebem acima disso que passarão a contribuir com valores bastante altos, chegando a até 22% para quem ganha na faixa dos R$ 14 mil ou mais. Então, eu vejo que haverá um aumento muito significativo nas contribuições desses servidores. Por isso, seria importante discutir também a criação de uma regra de transição para esse aumento das alíquotas.

A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Máris Gosmann, com base nos dados apresentados sobre o cenário no município, avalia a Reforma. Para ela, é necessário equilibrar as contas e não deixar a dívida para as próximas gerações. O déficit, nesse sentido, precisa ser encarado com responsabilidade.

– Quando a gente ouve falar que o déficit é de “bi”, assusta. É um déficit muito significativo. E a reforma ajuda a promover uma equidade intergeracional porque temos uma geração que deveria ter contribuído mais e não contribuiu. Agora, cabe à geração atual, inclusive àqueles que já estão próximos da aposentadoria, compensar esse desequilíbrio. A ideia é aproveitar o tempo que ainda temos com essas pessoas ativas, para equilibrar as contas e não deixar essa dívida toda para as próximas gerações - afirma Máris.


Há outra alternativa?

R$ 4,5 bilhões é “muita coisa”. É o que afirma a professora da UFRGS. Questionada se existe outra alternativa que não seja a Reforma, ela cita o repasse de ativos, bens e direitos ou a venda de patrimônio público em que o valor seria destinado à previdência. Mas, segundo ela, não há como fugir de uma dessas escolhas:

– Infelizmente, as alternativas reais e viáveis hoje são essas que já estão previstas em portaria: aportes com venda de ativo, aumento de alíquotas, reforma e, eventualmente, segregação de massa. Não tem muito por onde fugir.


O que dizem Executivo, sindicatos e Ipassp 

Prefeitura de Santa Maria

  • O Executivo considera a Reforma da Previdência urgente e necessária para evitar o colapso financeiro do sistema. Segundo o procurador geral, Guilherme Cortez, o desequilíbrio ameaça o pagamento de salários, fornecedores e investimentos essenciais.
  • Foram apresentados dois cenários de alíquotas progressivas, ambos com aumento na contribuição dos inativos e fim do abono de permanência. As propostas ainda serão discutidas com o Conselho Consultivo antes do envio à Câmara, previsto para a primeira quinzena de outubro.


Sinprosm

  • O Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria critica a proposta elaborada com base em estudos do Igam, por não oferecer benefícios aos servidores e por aumentar o tempo de contribuição e idade para aposentadoria.
  • O sindicato também afirmou que a reforma transfere o ônus do déficit do Ipassp para os servidores, sem apresentar soluções reais. Também preocupa o Sinprosm o aumento das alíquotas, que pode chegar a 22%, e a cobrança de contribuição de aposentados a partir de um salário mínimo.
Cenários foram apresentados ao Conselho Consultivo no último dia 18


Sindicato dos Municipários

  • O Sindicato dos Municipários de Santa Maria recebeu com cautela as propostas da Reforma da Previdência. A representação da categoria reconhece a necessidade de equilíbrio fiscal, mas defende que o ônus não recaia apenas sobre os servidores.
  • A principal preocupação é o impacto da nova contribuição sobre aposentados de baixa renda, que, segundo a presidente Vivian Serpa, serão os mais prejudicados.


Ipassp

  • O Instituto Instituto de Previdência e Assistência à Saúde dos Servidores Públicos de Santa Maria, por meio de sua diretora-presidente Fabiana Neves de Vargas, considera a reforma uma necessidade urgente para evitar o colapso financeiro do sistema. Segundo ela, sem a mudança, não haverá recursos nem para pagar o 13º salário dos beneficiários.
  • A presidente também defende a contribuição de aposentados como medida essencial para garantir a sustentabilidade do regime, embora reconheça que a faixa de isenção precisa ser revista para não penalizar quem ganha apenas um salário mínimo.


Estado e União também fizeram Reforma na Previdência 

Reforma da Previdência no RS (2021)

A reforma do Regime Próprio da Previdência Social do Rio Grande do Sul, aprovada em 2021, alterou profundamente as regras para aposentadoria e a estrutura de carreira dos servidores. Entre as principais mudanças, estão a extinção de adicionais e gratificações por tempo de serviço, como triênios e quinquênios, e o fim da incorporação de gratificações à aposentadoria.

As alíquotas de contribuição tornaram-se progressivas, variando entre 7,5% e 22% para ativos e de 9% a 22% para inativos, com isenção para quem recebe até um salário mínimo. Além disso, a aposentadoria passou a exigir idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens, com tempo mínimo de contribuição. Professores mantêm redução de cinco anos na idade.

No magistério, foi criado um novo plano de carreira com seis classes e seis níveis, com remuneração por subsídio. O Estatuto dos Servidores também foi reformulado, prevendo estabilidade após três anos, fim de promoções obrigatórias, teletrabalho, flexibilização de férias e mudanças em benefícios como vale-refeição e abono família. Para a segurança pública, agentes do IGP, policiais e bombeiros passaram a receber por subsídio, com atualização das tabelas salariais.


Reforma da Previdência na União (2019)

A Reforma da Previdência de 2019, por meio da Emenda Constitucional 103, alterou as regras do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que atende os servidores públicos. Entre as principais mudanças, está a idade mínima para aposentadoria: 65 anos para homens e 62 para mulheres. Mudou-se, também, o tempo mínimo de contribuição, que passou a ser 25 anos, sendo ao menos 10 no serviço público e 5 no cargo.

A reforma também extinguiu a aposentadoria por tempo de contribuição, exigindo agora o cumprimento da idade mínima. Para os servidores que já estavam na ativa antes da mudança, foram criadas regras de transição, com combinações entre idade, tempo de contribuição e um “pedágio” adicional.

Além disso, a contribuição previdenciária passou a incidir apenas sobre valores que excedem o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). As alterações, na justificativa do governo federal, visam garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário diante do envelhecimento populacional e do aumento da expectativa de vida.


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