Falta de voluntários, chegada de doações e triagem: entenda como está o trabalho no CDM

Thais Immig

Fotos: Beto Albert (Diário)

Tradicional palco de competições esportivas, o Centro Desportivo Municipal (CDM) se transformou em abrigo e espaço para a solidariedade. Desde o dia 30 de abril, quando as primeiras famílias ficaram desalojadas, as quadras esportivas deram espaço ao armazenamento e à triagem de toneladas de doações que foram direcionadas para Santa Maria e ainda chegam de diferentes locais. No chão, as quatro linhas dificilmente são percebidas diante do alto número de mantimentos ou marcações que identificam o tipo de doação.


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No final da manhã de terça-feira (21), o Diário esteve no CDM para acompanhar o caminho percorrido pelas doações que chegam no local. Após três semanas desde o início das enchentes, a entrada e a saída de doações ainda ocorrem com frequência. A diminuição no número de voluntários, tão presentes nas semanas anteriores, também chama atenção de quem passa pelo local.

As coordenadoras gerais, Elisiane Machado e Jozieli da Silva, responsáveis pela organização das doações no local, informam que o CDM funciona para recebimento e separação do que chega. Segundo elas, além de Santa Maria, as equipes atuam no envio de doações para os municípios da Quarta Colônia e da Região Metropolitana. Em alguns casos, os voluntários têm percorrido quilômetros a pé para entregas em locais de difícil acesso, como Três Barras.

– Boa parte da população já foi abastecida em Santa Maria, com exceção de algumas situações específicas que ainda chegam para a gente. Então, aqui no CDM, está saindo em macro, como se fosse atacado. A gente recebe, seleciona aqui e produz cestas básicas, além de kits de higiene, limpeza, calçados, roupas e cobertas – explica Elisiane.

Assim, as doações não são mais entregues a população no CDM, mas encaminhadas para instituições como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), cozinhas comunitárias e projetos sociais que atuam na distribuição junto às famílias. Conforme o secretário de Desenvolvimento Social de Santa Maria, Leonardo Kurtz, essa descentralização foi necessária para que diferentes famílias fossem beneficiadas:

Houve um primeiro atendimento no CDM com cadastro e entrega. Depois, começamos com a entrega nas regiões dessas famílias até pra gente ter um critério mais rigoroso para atender realmente quem precisa. Não podemos deixar que cinco serviços, por exemplo, beneficiem apenas uma família. Então, estamos tendo esse cuidado para que cada uma dessas frentes atenda uma região específica. 


Chegada das doações 

O recebimento de doações acontece com frequência. Elas chegam em sacolas, porta-malas e até de caminhões. O seu Gilberto La-Flor, 69 anos, chegou com doações de roupas e cobertas de frio. Desde o início das chuvas, ele e a esposa vão até o CDM com o objetivo de ajudar quem foi atingido pelas enchentes. Quem também realizou a doação na terça-feira (21) foi o engenheiro agrônomo Igor Honnef, 27. Natural de Agudo, ele esteve no município para auxiliar a população atingida e levou para o CDM uma parte dos itens que conseguiu arrecadar.

– Fui em Agudo pela primeira vez depois das chuvas e deu pra ver, mesmo depois de vários dias, a destruição e vários lugares sem acesso no interior. Lá, tivemos muitas doações e uma parte trouxe pra cá porque o pessoal aqui está sabendo melhor como organizar a distribuição. Tudo isso é uma grande rede de solidariedade – afirma Igor.

Seu Gilberto fez questão de ir até o CDM deixar a doação

Elisiane, que coordena os trabalhos no local, conta que é comum as pessoas procurarem o CDM para pedir doações ou auxílio para famílias atingidas. Essas informações são encaminhadas para a assistência social que avalia a situação e realiza as ações necessárias.


Primeira triagem 

Assim que chegam, as doações logo são encaminhadas para um dos ginásios onde voluntários fazem uma primeira separação. É a etapa chamada por eles de “triagem grossa". Nela, os itens são separadas de acordo com a sua classificação. Ou seja, os alimentos ficam em uma parte, roupas e cobertas de outro - o que facilita a organização e montagem dos kits. Nessa etapa, também é feito o descarte de itens que não em bom estado. Uma das voluntárias explica que poucas coisas viram lixo, já que até roupas rasgadas são encaminhadas para projetos que fazem cobertas ou artesanato.

No chão, marcações indicam o tipo de doação

A aposentada Rosângela Townsend Nunes, 68 anos, sabe bem como funciona essa etapa. Desde a última semana ela conta que tem ajudado na triagem das doações que chegam:

É um trabalho muito bom, saber que estamos prestando serviço para a população que está precisando. Eu sou aposentada, então, senti que alguma coisa eu precisava fazer. Na verdade, me senti na obrigação de prestar essa solidariedade. 

Rosângela tem auxiliado no processo de triagem no CDM


Separação e montagem dos kits 

Após a primeira triagem, os itens são encaminhados para outro ginásio em que acontece a montagem dos kits. No local, foram montadas diferentes espaços de trabalho divididos em roupas infantis, calçados, materiais de limpeza, cestas básicas, cobertores e roupas de cama. É como se cada “quadrado”, separado com estruturas de ferro, fosse responsável por um tipo de doação. No espaço das roupas, por exemplo, os voluntários recebem sacolas com os itens já separados e organizam de acordo com o tamanho. Assim, adesivos em caixas indicam sinalizações como “P”, “M” ou “G”

As coordenadoras explicam que essa separação é importante porque os kits são montados de acordo com a demanda recebida de entidades que entregam as doações para a população atingida. Então, se determinada família usa o “P”, as doações já estão separadas e assim, as entregas são feitas de forma mais rápida. 

Jozieli, responsável pela montagem dessa logística de trabalho, explica que, em resumo: 

Primeiro, passa por uma triagem grossa de separação. O que é masculino, feminino, adulto e infantil. Depois é que sai para a montagem dos kits que, quando finalizado, é separado em uma parte do ginásio pronto para entrega. Assim, quando chega a demanda de uma família que usa P, por exemplo, já temos tudo organizado.

Após a primeira triagem, os kits são montados


Falta voluntários, sobra doações 

Uma parte essencial de todo esse processo feito diariamente no CDM são os voluntários. São eles que atuam no recebimento das doações, triagem, separação e organização dos kits que chegam às famílias. 

Nos primeiros dias, o número de voluntários chegou a 1200. Na terça-feira, dava até para contar. Conforme as coordenadoras, com a volta das aulas e atuação de outros projetos sociais na cidade foi notável a diminuição de pessoas atuando no CDM. Para o secretário Kortz, o baixo número de voluntários também acompanha a demanda do espaço

– Entendo que a desmotivação do voluntariado faz parte porque as pessoas precisam tocar suas vidas. Mas sempre tivemos pessoas disponíveis para ajudar. Diminuiu o número de voluntários, mas também o número de demandas. Não tem mais a mesma necessidade da primeira e da segunda semana, por exemplo.

Mesmo assim, a falta de voluntários é sentida em todos os setores. Na parte em que fica a separação de roupas, a voluntária Marília Ravanello, 38 anos, que atua desde a primeira semana, nota que, aos poucos, o número tem diminuído. Para os que ficam, há dificuldade de acompanhar as demandas que chegam:

– Na primeira semana era muita gente, tanto que o pessoal da porta falava que não tinha mais vagas. Quando começou a chuva de novo, no dia 10 de maio, começou a vir pouca gente. E ao longo de toda a semana passada veio bem pouco. Então falta braço. Esse material aqui (roupas) nunca fica tanto tempo parado.

A advogada e confeiteira, Patrícia Ferraz Monteiro, 39 anos, coordena a montagem das cestas básicas. Para ela, é impossível não notar a mudança:

Mudou drasticamente. Nos primeiros dias, isso aqui era lotado. Em todos os setores era lotado. Filas eram formadas para quem queria ser voluntário. E hoje tem poucas pessoas. De manhã é pior ainda. Por isso, a gente sempre pede que não deixem de vir. 

Patrícia (camiseta azul) atua desde o primeiro dia no CDM e sente a diminuição no número de voluntários


Chegada nas famílias

O processo no CDM finaliza no espaço em que os kits finalizados são armazenados. Nessa etapa, caminhões do Exército e da prefeitura auxiliam no transporte das doações até os pontos de entrega como Cras e a Secretaria de Desenvolvimento Social. Kortz explica que na secretaria, por exemplo, diariamente sai uma unidade móvel que leva as doações até as famílias, com atenção especialmente aquelas que residem em locais de difícil acesso. 


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