Uma escavação de rotina em Dona Francisca, na região da Quarta Colônia, resultou em uma das descobertas paleontológicas mais relevantes dos últimos anos no Rio Grande do Sul. Pesquisadores identificaram uma nova espécie fóssil de 240 milhões de anos, anterior ao surgimento dos dinossauros e pertencente ao grupo que deu origem aos jacarés e crocodilos. A espécie foi batizada de Tára Cuacucos belator.
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O fóssil foi encontrado durante obras no município. A equipe do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (CAPPA/UFSM) foi chamada para avaliar o local, já conhecido pelo potencial fossilífero. Segundo o paleontólogo Rodrigo Temp Müller, responsável pela pesquisa e pela preparação do material, o primeiro indício da nova espécie surgiu ainda no local da obra:
– O primeiro osso visível era um ílio, parte da cintura pélvica. Depois, encontramos vértebras e parte da mandíbula, já dava para ver que era um material interessante – afirma.
Parentesco africano
Após o recolhimento, o exemplar passou por meses de preparação mecânica e química no CAPPA, em São João do Polêsine. O pesquisador relata que somente após remover a rocha mais dura ao redor dos ossos foi possível confirmar que se tratava de uma espécie inédita.
Müller explica que, ao comparar as características do esqueleto com registros de outros países, surgiram indícios de um parentesco internacional:
– É um animal muito semelhante a outro encontrado na Tanzânia, em camadas de idade parecida. Isso acontece porque, no período Triássico, os continentes estavam unidos na Pangeia – detalha o paleontólogo.
Conforme o pesquisador, a descoberta reforça a semelhança entre os ecossistemas sul-americanos e africanos há milhões de anos. Ele acrescenta que animais dessa linhagem, o grupo Poposauroidea, são extremamente raros no Brasil, com apenas um registro anterior, descrito em 2024. Agora, o novo achado se torna o segundo representante do grupo no território brasileiro.
A nova espécie pertence a uma linhagem anterior aos crocodilianos atuais. Era um animal terrestre, com cerca de 2,5 metros de comprimento, quadrúpede e carnívoro, dotado de dentes pontiagudos usados para caçar presas de porte variado. Apesar do tamanho médio, não era o maior predador do ambiente. Na mesma região, já foram identificados fósseis de carnívoros que chegavam a 7 metros de comprimento.
O nome científico também carrega simbolismo. O termo “Tára Cuacucos” vem da língua guarani e significa “jacaré de dente pontiagudo”, em referência à dentição do animal. Já “belator” significa “guerreiro”, uma homenagem ao povo gaúcho e à resiliência frente aos desastres climáticos recentes.
Importância e perspectivas

Além de ampliar a diversidade conhecida dos popossauróideos no Brasil, o achado oferece novas pistas sobre como esses animais evoluíram e se dispersaram antes do surgimento dos dinossauros.
Conforme Müller, a espécie “ajuda a entender melhor como esses ecossistemas funcionavam antes da radiação dos dinossauros e reforça que predadores dessa linhagem dominavam a paisagem naquele período”.
O pesquisador afirma que a equipe continuará investigando o sítio de Dona Francisca em busca de novos materiais e garante que há chance de encontrar mais partes do esqueleto ou até novos indivíduos da espécie, já que a área tem produzido vários achados recentes.