Foto: Rodrigo Nenê
O Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica) completa, neste sábado, 20 anos de atividades em Santa Maria. Nesse período, vem trabalhando não apenas para a ressocialização de adolescentes e jovens, mas, principalmente, para oferecer uma nova oportunidade de vida a infratores de 12 a 20 anos de idade. Em duas décadas, mais de mil pessoas cumpriram as medidas socioeducativas no centro. Desses, 82% não voltaram a cometer atos infracionais.
+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
Para comemorar a data e os resultados, o Cededica promove, neste sábado, uma atividade de integração na Quadra de Esportes Cerrito. O acesso pode ser feito pela rua lateral à BR-158. A programação inclui recepção aos atendidos pela organização e seus familiares, torneio de futsal festivo e almoço de confraternização.
A proposta
Fundado em 12 de julho de 2005, o Cededica tem como principal objetivo executar medidas socioeducativas em meio aberto de adolescentes e jovens, de ambos os sexos, em conflitos com a lei. O acesso aos serviços do centro se dá por meio do encaminhamento pelo Juizado da Infância e Juventude de Santa Maria. Não é assitência social, mas, sim, um “castigo” educativo, que busca corrigir o rumo dos atendidos por meio de ações de acolhimento e orientação, oficinas e cursos.
– O Cededica atua como um agente de prevenção. Não de repressão. É o cuidar da pessoa, acolher, orientar. E quanto mais cedo você trata a pessoa, maior a chance de ter resultado. Esse jovem, se não for tratado lá no início, pode ficar anos praticando crimes, com um custo gigantesco para o Estado. Ou seja, é um trabalho de prevenção, complementar às ações do Estado – explica o juiz de Direito Sidinei José Brzuska, idealizador do Cededica em Santa Maria.
Criando alternativas
Todo trabalho do Cededica é realizado e oferecido de forma gratuita aos socioeducandos e seus familiares. O espaço é mantido por meio do Imposto Solidário, doações, projetos sociais, apadrinhamentos e, também, por meio de captação de recursos públicos ou privados, recebidos através das aprovações de projetos em editais; Troco Solidário e outras verbas voluntárias que venham a contribuir com a sustentabilidade financeira da instituição.
– Não é dar roupa, não é dar calçado, não é dar comida, não é assistencialismo. É fazer uma correção de rumo ali, naquele adolescente, nessa faixa etária, porque isso vai repercutir para toda a vida dele. É trabalhar o caráter e os valores desses jovens. Essa é a ideia do centro – reforça o juiz.
Sobre o tempo de permanência do adolescente ou do jovem no Cededica, vai depender do ato infracional que ele cometeu e do tipo de medida aplicada.

A família
Como a finalidade do centro é apresentar novos caminhos aos jovens, a família se torna fundamental no processo. Brzusca explica que muitos dos problemas estão na estrutura familiar, ou na falta dela.
– Nessa faixa etária, é normal, em qualquer classe social, que o adolescente não dê ouvidos ao pai ou à mãe. É da natureza do ser humano. Por isso, quando ocorre um ato infracional, é necessário que outra pessoa, um agente externo, ajude a orientar, a acolher, a dar afeto, a mostrar alternativas. E, para mim, é um orgulho ver que o trabalho do Cededica perpassa governos e segue dando resultados – finaliza.
Saiba mais
Estrutura
- 2 Assistentes sociais
- 3 Psicólogos
- 1 Psicóloga organizacional (gestor)
- 1 Advogada
- 9 Educadores sociais
Atendimentos
- Adolescentes em prestação de serviços à comunidade (PSC) – 40
- Adolescentes em liberdade assistida (LA) – 11
- Adolescentes em cumprimento de LA e PSC – 15
- Adolescentes atendidos em julho de 2025 – 66
- Total de adolescentes do gênero feminino – 16
- Total de adolescentes do gênero masculino – 50
Programação
- O quê – Comemoração dos 20 anos do Cededica em Santa Maria
- Quando – Neste sábado, 12 de julho
- Onde – Quadra de Esportes Cerrito. Acesso pela rua lateral à BR-158, 1.555
Programação
- 11h – Recepção dos adolescentes/jovens egressos do Cededica e dos adolescentes/jovens de instituição convidada
- 11h30min às 13h – Torneio de futsal festivo
- Após os jogos, almoço comemorativo
Homenagem no Legislativo
A Câmara de Vereadores de Santa Maria, por meio do vereador Alexandre Pinzon Vargas (Republicanos), fez uma homenagem ao Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cededica), no espaço Expediente Nobre. Durante o ato, foi destacado o importante trabalho de ressocialização de crianças e jovens realizado pela entidade.
– Ousaram plantar sementes de esperança em terrenos que muitos consideravam áridos – ressaltou Pinzon.
O vereador falou, ainda, que o trabalho do Cededica é muito mais profundo, é o resgate da identidade de jovens e adolescentes. Afirmou que mais de mil adolescentes e jovens passaram pelo programa nos 20 anos de existência, realizando várias atividades,como cursos de profissionalização.
A gestora do centro, Ediane Oliveira, acompanhada de colegas, utilizou a tribuna e manifestou que “esse reconhecimento não é apenas um tributo à instituição, mas a todos que, ao longo de duas décadas, dedicaram suas vidas à causa da infância e da adolescência em nossa cidade”. Ediane apresentou dados e disse que, ao longo de 20 anos, observou a mudança de vários jovens beneficiados pelo serviço prestado pela entidade.
Além do quadro de profissionais, o Cededica conta com um Conselho de Administração não remunerado composto por dois diretores executivos, um vice (membro do colegiado de administração), um secretário, e conselheiros fiscais e administrativos – todos com atuação voluntária.
Para as vítimas que não existiram, muito obrigado
Na década de 1970, o Estado do Rio Grande do Sul construiu presídios regionais, espalhando-os pelas maiores e principais cidades do interior, todos com mesmo padrão construtivo. A planta básica era de um projeto simples, mas seguro para a época. Projetados para 120 presos, os presídios tinham duas galerias, “A” e “B”, dois pátios, refeitório, salas administrativas, espaço para estudo e locais para trabalho.
Um deles foi construído na cidade de Santa Maria. A galeria “A” era considerada mais segura, por ficar no centro da prisão. Nela ficavam os presos considerados mais perigosos, sendo sua massa carcerária composta basicamente por autores de assaltos. Não existia tráfico de drogas nem crime organizado. A galeria “B” abrigava os presos mais calmos, mais veteranos, com menos chances de evasão, como os estelionatários, homicidas e até mesmo os “duques”.
Com aumento da criminalidade, chegando o presídio a ter mais de 500 presos, o Estado viu-se obrigado a erguer uma nova galeria nos fundos, nominando-a de “C”, fazendo uma espécie de “L” com galeria “A”, aproveitando, assim, o mesmo pátio de sol. Uma adaptação não muito segura, que fragilizava o posto de segurança existente do final do corredor da prisão.
A galeria “C” era terrível. Ali foram colocados os presos de difícil convivência, essencialmente jovens, com pouco mais de 18 anos de idade. Violentos, arruaceiros desrespeitosos com a guarda. Eram comuns as brigas com os detentos da “A”, visto que as janelas de ambas as galerias davam para o mesmo pátio. Apesar de muito jovens, praticamente todos eles eram multireincidentes e tinham uma origem comum, pois eram egressos da extinta Febem. A situação estava perigosa para todo mundo, inclusive para os servidores. O clima interno era hostil. Os presos botaram fogo na galeria nova para destruí-la, logo depois da inauguração. Na foto do post dá para ver os vestígios desse incêndio, na aba do telhado, acima das janelas. A fumaça preta deixou marcas na pintura durante anos.
Algo precisava ser feito. E foi nesse cenário que surgiu a ideia de trazer para Santa Maria uma iniciativa que havia surgido em Santo Ângelo, pela mão do Saraiva, Juiz da Infância daquela cidade: o Cededica. A proposta era de cuidar do jovem infrator no início, com a ajuda da comunidade, ainda na adolescência, de modo a evitar que ele se tornasse um futuro morador da galeria “C” do Presídio Regional.
A intenção somente frutificou graças ao trabalho voluntário de diversas pessoas abnegadas da cidade. Não há como citar todas aqui, mas penso que elas se sentirão bem representadas nas pessoas da Ediane e da Lariane, bem como de empresários comprometidos com o futuro da comunidade santa-mariense, como o Paulo Brondani e o Jorge Brandão, pessoas que acompanharam o início de tudo. Os adversários políticos também compreenderam que essa era uma proposta boa para a cidade e deram seguimento a ela, como foi o caso de Valdeci, Schirmer e Pozzobom, prefeitos que se sucederam à administração do município por diferentes agremiações partidárias.
Passados 20 anos, o Cededica já atendeu mais de mil adolescentes envolvidos com a criminalidade, dos quais 82% deles nunca mais voltaram ao sistema penal juvenil e nunca entraram no sistema penitenciário adulto.
Milhares de pessoas deixaram de ser vítimas de crimes graças ao Cededica, e elas nem sabem disso. A prevenção da criminalidade acontece quando se investe nas pessoas. O restante é repressão. Hoje, o Estado gasta muito na repressão, e quase nada na prevenção.
A foto que ilustra post foi tirada um ano antes da fundação do Cededica. Nela, aparece um antigo, leal e valente agente penitenciário, com um porrete, usado para bater as grades da galeria “C”, antes do anoitecer, inspecionando se alguma barra de ferro não havida sido serrada para eventual fuga noturna.
Agradeço a todas essas pessoas por terem me deixado fazer parte dessa história.