Foto: Arthur Camponogara
Pontes móveis sobre o Arroio Grande permanecem no lugar onde estrutura antiga cedeu
Após mais de 24 horas de fortes enxurradas, o fim da tarde da terça-feira, dia 30 de abril de 2024, registrou uma das imagens mais impactantes das fortes chuvas que assolaram Santa Maria e todo Estado até aquele momento. Morador do distrito de Palma, radialista, ex-vereador e candidato a prefeito de Santa Maria em 2020, Luciano Guerra capturou o momento em que a ponte sobre o Arroio Grande, na RSC-287, caiu.
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Até hoje, a solução provisória encontrada ainda em maio de 2024, as pontes móveis do Exército, seguem impactando moradores e viajantes, que convivem com filas e atrasos, sem previsão de uma resolução definitiva.
Lembrança viva
Quase um ano depois, a imagem daquele momento permanece viva na memória de Guerra. Ao Diário, o radialista, 50 anos, relembrou o que viu:
– Já havia chovido muito durante a madrugada. Quando eu saí de manhã, a gente percebeu que já havia uma inundação próxima da Vila Fighera. Tinha inclusive um pessoal com maquinário, na beira da rodovia, mas no primeiro momento o trânsito estava fluindo.
Ao retornar para casa, próximo ao meio-dia, Guerra contou que já enfrentava dificuldade para passar pelo trajeto, devido ao acúmulo de água na pista, em especial no trecho em frente ao posto da Polícia Rodoviária Estadual, perto da Base Aérea de Santa Maria, e no trecho próximo ao acesso a Silveira Martins. Guerra voltou ao trabalho, no centro da cidade, onde permaneceu durante a tarde.
– Ao final do dia, quando eu tentei voltar novamente para casa, eu já não consegui – acrescentou.
Segundo ele, no primeiro momento, o problema estava mais à frente. Após a ponte, no trecho em direção ao acesso a Silveira Martins, a lâmina de água que cobria a pista impossibilitava o tráfego de veículos mais baixos.
– Tinha um pessoal que ainda estava tentando passar daqui para lá, com maquinários e tratores, mas eu já não conseguia mais. Foi quando pensei:“agora não tenho mais como voltar para casa” – recordou o radialista.
Guerra então voltou, novamente em direção a Camobi. Ao passar da ponte, encontrou outras pessoas avaliando a situação e decidiu parar o carro, para conversar com os motoristas e passar a informação acerca da impossibilidade de se cruzar o alagamento. Foi quando tudo aconteceu.
– Enquanto, a gente estava conversando, eu percebi que o solo começou a ceder e que a estrutura da ponte começou a vibrar. Foi naquele momento que eu comecei a filmar. Eu até comentei: "gente, essa ponte vai cair". Não deu mais de cinco minutos entre o período que retornei (cruzando a ponte, em direção a Camobi) e quando a ponte cedeu – narrou ele.
A imagem, da água levando a estrutura, chocou até mesmo quem acompanhou pelas telas. Mas para quem presenciou o fato, a cena foi ainda mais impactante.
– Foi um momento que, talvez, até não dê aquela adrenalina na hora, mas depois que você vê a cena, com as pessoas tentando atravessar, a perna começa a tremer – relembrou Guerra, sobre o sentimento daquele instante.
Quem também lembra dos momentos de angústia causados pelo ocorrido é Deina Farenzena, 48 anos. Diretora da escola Major Tancredo Penna de Moraes, localizada a cerca de 350 metros da ponte e que atende 173 crianças, em sua maioria dos distritos de Arroio Grande, Arroio do Só e Palma, a professora relembrou que o alto volume de chuva já preocupava os pais no dia anterior. Por essa razão, a escola dispensou emergencialmente os alunos na tarde de segunda-feira, 29 de abril.
– Nós fomos avisados pelos pais que o nível das águas estava subindo. Chamamos os motoristas, colocamos todas as crianças no transporte e, em questão de cinco minutos, evacuamos toda a nossa área. Mandamos as crianças para casa antes que o nível subisse demais e que eles não pudessem mais chegar em casa ou que acontecesse qualquer outra coisa – recordou a diretora.
Daquele momento em diante, nem mesmo Deina teve mais acesso à escola. Segundo ela, além da queda da ponte na terça-feira, o pátio e o refeitório da escola foram alagados. Sem tem como chegar ao local, a diretora, que é moradora de Faxinal do Soturno, monitorava a situação pelas câmeras de segurança, com acesso remoto em seu celular, até a queda da internet na escola.
– Não conseguimos mais ver nada. Dependi da vizinhança me relatando, gravando vídeos. Também ficamos sem internet em Faxinal do Soturno por mais de 24 horas. Ficamos nessa angústia, em que ninguém conseguia chegar na escola. Aí, eu disse: “pronto, seja o que deus quiser” – detalhou Deina.

Filas imensas e engarrafamento
Sem uma das mais importantes vias de acesso à cidade e principal rota à Quarta Colônia e a Porto Alegre, a queda da estrutura fez com que os moradores da região procurassem acessos alternativos. Com bloqueios em outras tantas estradas, os desvios aumentaram ainda mais o tempo de deslocamento nas semanas seguintes ao ocorrido.
– Nós retornamos no dia 17 de maio. Ficamos esse período fechados porque não tinha acesso à escola e os ônibus também não chegavam nas comunidades. Quando retornamos, toda a nossa rotina foi alterada em busca de itinerários alternativos. E então começaram os atrasos e as filas. Desde aquele período, a gente tem enfrentado muito isso – relatou Deina.
Após a trégua da chuva e a diminuição do nível da água, soluções emergenciais começaram a ser discutidas, entre elas a que se mantém até hoje. A primeira ponte móvel entregue pelo Exército só foi liberada em 31 de maio. Com a segunda concluída apenas no final de outubro, foram cinco meses de funcionamento em pare e siga. Apesar do fluxo nos dois sentidos, as obras na pavimentação asfáltica, em trechos próximos às estruturas, mantiveram a rotina de filas e atrasos até hoje.
Segundo a diretora da escola, é comum que professores saiam de Camobi cerca de uma hora e meia antes do horário de aula e, mesmo assim, não consigam chegar a tempo. Em condições normais, o trecho de cerca de 8 km entre a rótula de acesso à Universidade Federal de Santa Maria (USFM) e a escola era feito em pouco mais de 10 minutos. Desvios alternativos, como pela estrada que cruza o distrito de Arroio Grande, serviram para diminuir o tempo do trajeto, mas também apresentam dificuldades em virtude das condições da pavimentação, bem como de pontes em mão única.
Como todos os transportes escolares precisam passar pelas pontes móveis em algum momento do dia, os alunos e professores da Escola Major Tancredo Penna de Moraes convivem diariamente com filas e atrasos. O mesmo acontece com os pais das crianças que não moram na área rural e que, portanto, não são contemplados com o transporte escolar.
Outro afetado pela situação é Dirceu Geraldo Negrini, 73 anos. Morador da região, o agricultor relatou a dificuldade, principalmente, em retornar para casa – quando volta de Camobi – e os problemas decorrentes das grandes filas em frente a sua residência.
– Eu estou preocupado com esse movimento aqui, que está deixando nós “louco da cabeça”. Com o barulho, com os acidentes, com as filas, com os carros fazendo buzinaço. Às vezes, temos que esperar uma hora, até duas para cruzar a ponte – contpu Dirceu, que relatou pequenos danos causados pela inundações em sua propriedade.
O barulho afeta, em certa medida, também a rotina escolar da Major Tancredo Penna de Moraes. A formação de grandes filas gera buzinaços de motoristas. Deina disse que compreende o descontentamento dos condutores, que não percebem se tratar de uma área escolar. Esse é outro problema do local, conforme relatado pela diretora. A falta de sinalização afeta principalmente a saída e entrada do transporte dos alunos.
– Não tem ninguém sinalizando nossa entrada, nossa saída. Às vezes, o transporte escolar fica em fila dentro do pátio da escola, esperando que algum motorista de bom coração permita que o transporte saia. Não tem nenhuma sinalização que dê preferência (aos ônibus escolares) – comentou Deina.
De acordo com a diretora, a escola contatou a Agergs (agência que fiscaliza o serviço das concessionárias) e a Rota de Santa Maria (empresa responsável pela RSC-287), em busca de alternativas para facilitar o acesso de alunos e professores, mas que as respostas não foram satisfatórias.
– Eles respondem que as coisas vão acontecer de acordo com o cronograma, que não vai ter uma resolução rápida. Os trechos que eles arrumaram ficaram bem bons, não me queixo disso. Só que é tudo muito lento, muito moroso. Os horários também não se adequam ao nosso, então tem impactado bastante a nossa vida. Escutamos todos os dias os professores estressados com isso, os alunos cansados e os pais desesperados por conta dos atrasos – finalizou a diretora.

Sem previsão para iniciar a obra da ponte
No começo deste mês, a Secretaria Estadual de Reconstrução aprovou parte do projeto da nova ponte. Com isso, a Rota de Santa Maria está autorizada a iniciar a construção da estrutura definitiva sobre o Arroio Grande. Mesmo assim, segundo vereadores santa-marienses que estiveram em reunião com a concessionária, não há previsão para o início das obras, visto que o projeto da nova pista lateral de acesso à nova estrutura, que será erguida ao lado das pontes metálicas, ainda precisa ser aprovado. A rota reafirmou que não há data para o início da construção da ponte.