Fotos: Vinicius Becker (Diário)
Se antes, a tradição gaúcha em tardes quentes era sair para tomar sorvete, hoje o açaí entrou na concorrência dos refrescos. O fruto amazônico se popularizou no Rio Grande do Sul e, principalmente no verão, já faz parte dos encontros e do fim de tarde de muitas pessoas. Mas mais que refrescante, ela também é nutritiva: concentra fibras, sais minerais e vitaminas A, C e E.
+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
E no Dia do Açaí, celebrado nesta sexta-feira (5), a popularidade do fruto é lembrada não só pelo sabor, mas também pelos benefícios ao corpo e, em especial, ao cérebro. Um estudo realizado pela bióloga Ivana Cruz, professora aposentada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em parceria com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade de Toronto no Canadá, aponta que o açaí se enquadra no conceito de mood food, alimentos que ajudam a promover o bem-estar emocional.
Da Amazônia a Santa Maria: a trajetória das pesquisas com o açaí

A relação da pesquisadora Ivana com o açaí começou há mais de 15 anos, a partir de um estudo sobre envelhecimento na Amazônia. Em 2009, em parceria com o médico Euler Ribeiro, da Fundação Universidade Aberta Terceiridade, ela participou de uma pesquisa populacional para entender como os idosos ribeirinhos de Maués, no interior do Amazonas, chegavam com tanta vitalidade a idades avançadas.
— Nós observamos que a dieta amazônica teria uma grande relevância, talvez, na saúde dessas pessoas e longevidade, porque muitos deles, na cidade que nós pesquisávamos, tinham acima de 80 anos — recorda Ivana.
A partir desses resultados, já em Santa Maria, o grupo coordenado pela professora passou a investigar frutos amazônicos, entre eles o guaraná e o açaí. A escolha não foi por acaso:
— Por que que nós escolhemos o açaí? Porque o açaí lá no Norte, ele não é comido como uma sobremesa, que nem aqui. Ele faz parte do almoço da dieta, ele é comido sem açúcar, com um pouco de farinha e um peixe assado, geralmente feito enrolado em folha de bananeira, ou seja, lá o açaí é como se fosse um arroz e feijão nosso. Então, por isso que nós resolvemos começar a estudar e porque já existiam alguns indícios dizendo que ele poderia ser muito bom.
Segundo Ivana, a ciência comprova que o fruto é muito mais do que uma iguaria saborosa. Ele é considerado um superfruto porque combina componentes nutricionais com componentes bioativos que auxiliam a nossa fisiologia fortalecendo nosso sistema imunológico, a limpeza de resíduos indesejáveis, a diminuição de radicais livres. Também promove a melhoria da função celular, especialmente das mitocôndrias, que são organelas que produzem a nossa energia corporal através da molécula conhecida como ATP (adenosina trifosfato).
No campo nutricional, a pesquisadora destaca que o açaí é uma fruta rica em lipídios, em especial em ácidos graxos insaturados. Ele é rico em ácido ômega 9, sendo similar ao encontrado no abacate e no azeite de oliva. Estudos mostram que o ômega 9 é benéfico para a saúde por ter ação antioxidante, anti-inflamatória.

Além disso, 100 g da polpa do fruto podem representar até 18% da ingestão diária recomendada de fibras. Já entre os compostos bioativos, merecem destaque moléculas como a cianidina-3-glicosídeo (responsável pela cor intensa do açaí), a orientina e a apigenina.
Essas moléculas, explica Ivana, têm um papel direto na saúde cerebral.
— A cianidina tem ação antioxidante capaz de proteger as células do nosso cérebro de danos oxidativos nas proteínas que compõem os neurônios e também no DNA destas células. Possui um grande poder anti-inflamatório e estimula a produção de moléculas que aumentam a sobrevivência e a função neural. Inclusive já existem estudos experimentais que sugerem que a cianidina poderia ter efeito protetor em doenças como o Alzheimer e a doença de Parkinson.
Sobre a orientina, os efeitos também são promissores:
— Estudos experimentais mostraram que este polifenol poderia diminuir a morte dos neurônios e também melhorar a recuperação de lesões neuronais. Pesquisas também sugerem que a orientina poderia auxiliar a diminuir a ansiedade e melhorar a função cognitiva, como a memória espacial.
Parte desses achados foi confirmada por meio de parcerias internacionais.
— Nós fizemos uma parceria com a Universidade de Toronto, no qual o doutor Alencar, que hoje é pesquisador aí da Universidade Franciscana, foi fazer uma grande parte do seu doutorado estudando o açaí. E lá ele observou que o extrato de açaí não só tinha capacidade de reverter danos causados pela exposição a um poluente ambiental, que a gente chama rotenona, mas também de proteger e ter função nas nossas mitocôndrias. Inclusive, esse estudo do açaí, feito pelo Alencar no seu doutorado, comigo como orientadora, e a doutora Ana Andreaza também como coorientadora, ganhou em 2017 o prêmio da revista Saúde de Melhor Pesquisa em Nutrição Experimental.
Mood food

Além dos efeitos fisiológicos, o açaí se enquadra no grupo dos chamados mood foods — alimentos que podem contribuir para o equilíbrio emocional.
— O nosso humor está presente cotidianamente na nossa vida. Quem é que não fica alegre, ansioso às vezes, muito triste, irritado? Mas a gente geralmente vai ficar assim em situações específicas. Só que a gente é exposto a uma grande quantidade de estresse, e é importante nós não contarmos só com os neurotransmissores que estão lá dentro do nosso organismo sendo produzidos, para que a gente possa ajudar a regular esse nosso humor. Muitos alimentos vão ter moléculas que podem ajudar a gente ter um humor mais moderado, mais apropriado para as nossas funções sociais, porque elas funcionam muito próximas ou até mesmo muito similares a esses nossos transmissores que regulam o humor. Esse é o caso, por exemplo, da orientina. São alimentos que melhoram não só também o nosso humor, mas também nossas funções neurais, porque podem melhorar a memória, o aprendizado e diminuir o estresse oxidativo — explica.
Se os benefícios são amplos, é importante lembrar que o açaí consumido no Sul e Sudeste não é exatamente o mesmo encontrado fresco na Amazônia.
— Em geral, se a gente vai pensar em valor energético, em fibra e gorduras boas, não vai ser igual. Essas moléculas são muito instáveis, então não tem problema. Agora, algumas dessas moléculas boas, que nem a cianidina, que é uma antocianina, ela já é mais sensível à temperatura, à luz, ao oxigênio. Então, geralmente, você tem uma perda em relação ao normal. Você vai ter uns 20% e 40% de perda, ou seja, essa molécula vai se degradar, assim como a orientina, as procianidinas, a vitamina C também. Entretanto, não chega a perder tudo. Mesmo que haja essa perda, o açaí que a gente consome vai ter ainda moléculas e propriedades relevantes para a nossa saúde.
Para quem busca uma versão mais próxima do fruto in natura, Ivana recomenda:
— O melhor é o in natura. Se não vai o in natura, o melhor é o lifolizado que a gente consegue comprar, que é aquele pó que a gente consegue comprar nas lojas de suplementos.
Por fim, um alerta sobre os complementos:
— O grande problema é que o pessoal coloca várias coisas lá dentro, leite condensado e isso e aquilo. E ele já é muito energético por conta que tem muita gordura, então a gente tem que equilibrar isso aí. Mesmo que as moléculas sejam preservadas, essa maior concentração calórica e de açúcar e de outras moléculas provenientes das misturas não vai ficar legal.

Santa-mariense e o açaí

Há seis anos, Adriano Feltrin abriu o La Fruta Açaí, na Avenida Presidente Vargas. Nesse tempo, o negócio evoluiu junto com os clientes. O cardápio fixo agora divide espaço com um buffet variado, que, além de opções de açaí zero açúcar e até combinações batidas com banana e morango, inclui sorvetes.

A procura não se restringe ao calor. No último domingo, marcado por um veranico, o estabelecimento recebeu cerca de 200 pedidos e atendeu aproximadamente 400 pessoas entre presencial e delivery.
Durante a estação mais quente do ano, esse número costuma dobrar. O reflexo aparece no consumo: são 200 kg de açaí por semana no inverno e mais de 300 kg nos meses quentes.
Segundo ele, banana, leite em pó e Nutella fazem sucesso, mas o acompanhamento mais popular entre os santa-marienses é outro: o morango.
— Às vezes, tem gente que não consome por causa do morango. Se não tem, a pessoa vai embora. Eu brinco que é quase a muçarela da pizza.

Ele acredita que a associação do fruto a um estilo de vida mais saudável fortaleceu a preferência. Aos fins de semana, famílias aproveitam para se reunir em torno do açaí, e o público é variado: de crianças a idosos, com predominância de pessoas entre 15 e 40 anos.
— O lado esportivo também pesa, porque temos opções como o açaí zero, que remete à saúde e à energia. Mas o público é bem diversificado, e isso é muito legal — completa o comerciante.
