Foto: Vinicius Becker (Diário)
Pátio da Emei Boca do Monte está vazio desde a ocupação da área da Fepagro por indígenas da etnia caingangue. A chegada do grupo no local completa um mês nesta quinta (14)
Prestes a completar um mês desde que indígenas da etnia caingangue ocuparam parte da antiga área do centro de pesquisas da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), a secretária municipal de Educação, Gisele Bauer, afirmou nesta quarta-feira (13) à Rádio CDN 93.5FM que não está descartada a possibilidade de retorno das aulas da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Boca do Monte ao prédio original, mesmo que a comunidade indígena permaneça no local.
— Olha, nós temos que considerar essa possibilidade, sim. Porque isso, não nos cabe, a decisão da permanência ou não deles ali. Mas, estando decidindo pela permanência deles, nós vamos buscar a convivência, a inclusão e o trabalho participativo com a comunidade. Esse é o papel da educação: construir essas pontes, construir uma educação inclusiva — afirmou ela.
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Decisão judicial e cenário temporário
Em entrevista ao Bom Dia, Cidade!, nesta quarta-feira (13), Gisele explicou que a prefeitura acompanha o caso como parte interessada, já que a escola está situada na área ocupada. No entanto, reforçou que as decisões dependem da Justiça Federal.
Segundo ela, a última audiência concedeu prazo de 30 dias para encaminhamentos e, por isso, o município decidiu manter, por enquanto, as turmas da creche na Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Almiro Beltrame, que fica no mesmo distrito. Já as aulas da pré-escola, que atende 80 alunos, de 1 a 5 anos, do berçário 2 ao pré-B, retornaram no dia 7 de agosto.
A secretária afirmou que, enquanto aguarda a definição judicial, a pasta trabalha no diálogo com a comunidade escolar e com o grupo indígena para que um eventual retorno ao espaço aconteça com segurança.
— Nós temos que preparar a comunidade para esse retorno, preparar as crianças, os professores e até mesmo conversar com o grupo indígena para que, quando isso acontecer, seja dentro da margem de segurança que precisamos para atuar com as crianças.

Transporte e rotina adaptada
O deslocamento maior até a escola provisória, segundo a secretária, é acompanhado caso a caso pela pasta. As crianças em idade obrigatória têm transporte garantido, e o horário de funcionamento foi adaptado para turno integral, a fim de reduzir o impacto da mudança. Ela ressaltou, ainda, que o espaço da Escola Almiro Beltrame é adequado e seguro, com recursos naturais e estrutura suficiente para receber todas as turmas durante a transição.
— Aumentou o trajeto, sim, é verdade, mas também flexibilizamos a escola para que isto não causasse maiores prejuízos às crianças. Nós sabemos que é temporária essa situação, mas temos o compromisso de garantir o direito das crianças nesse momento. Não basta suspender as atividades e aguardar decisões judiciais; precisamos atendê-las com muita responsabilidade — afirmou.
Mãe relata impactos no dia a dia das famílias
Ao Diário, Vanessa Fagan, mãe de um aluno e moradora da área da antiga Fepagro, contou que acompanha de perto a ocupação. Ela vive no local desde 2014, quando o marido passou a trabalhar na instituição que hoje funciona no espaço. O casal tem um filho de 6 anos.
Vanessa conta que, desde que o grupo chegou, a rotina mudou completamente. Segundo ela, no último fim de semana, uma baia utilizada por uma ONG teria sido destruída, o que acabou ferindo um cavalo. Além disso, uma casa próxima teria sido ocupada.
Para ela, a distância de cerca de 20 km até a nova escola e o tempo gasto no transporte também pesam.
— O impacto na vida das famílias é enorme. Eu tenho um filho de 6 anos, que não quer mais morar aqui, porque depois de um registro de ocorrência enquanto estávamos saindo e ele viu várias viaturas, com o giroflex ligado, ficou extremamente assustado. Ele é só uma criança, como tantas outras que tiveram a rotina completamente alterada, e agora precisam estudar em uma escola longe, que daqui dá 20 km.
Vanessa traz ainda o relato de outras mães:
— Temos as mães atípicas (aquelas que enfrentam desafios específicos, como cuidar de filhos com deficiência, doenças raras ou condições que exigem cuidados diferenciados), sabemos como funciona. Uma delas relatou que o filho levou seis meses para se adaptar aqui na Boca do Monte. E agora começar todo o processo de novo.
Audiência de conciliação e manifestações
Na tarde da última sexta-feira (8), a ocupação foi tema de uma audiência de conciliação na sede da Justiça Federal, no Bairro Nossa Senhora das Dores, em Santa Maria, dentro de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Estado. A ação questiona o descumprimento de recomendações que deveriam ter sido adotadas com o grupo indígena.
Em frente ao prédio, mais de 100 pessoas se manifestaram. De um lado, pais e responsáveis de alunos da Emei Boca do Monte, contrários à realocação; de outro, grupos e movimentos sociais que apoiam a retomada caingangue. Durante a audiência, estiveram presentes representantes do MPF, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), do município, da comunidade indígena, da Funai e da Defensoria Pública da União.
A proposta apresentada foi a realização de um estudo, em até 30 dias, para verificar a disponibilidade de concessão provisória de 15 hectares da antiga Fepagro à comunidade indígena. Enquanto isso, a prefeitura deve avaliar, junto às equipes de segurança e à comunidade escolar, a possibilidade de retomada das aulas no prédio original.
Pais e alunos da Emei levaram faixas e cartazes, manifestando-se contra a ocupação e a mudança das turmas para a Escola Estadual Almiro Beltrame.

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