VÍDEO: "Sou viúvo e não tenho o apoio da minha família. Então estou aqui, lutando": o que dizem as pessoas em situação de rua em Santa Maria

*Colaborou Rian Lacerda

VÍDEO:

Fotos: Vinicius Becker (Diário)

Luiz* tem 53 anos e há três vive nas ruas. Boa parte da vida foi em Santa Maria, já que saiu de Rio Grande e veio para o centro do Estado ainda pequeno. O álcool e as drogas o levaram à condição. Hoje, a fonte de renda tem sido a reciclagem.

– Com 50 anos, eu caí nessa vidinha aí – conta.

Questionado se já frequentou casas de passagem, disse que não:

– Ainda não passei porque nunca fui até uma casa de passagem. E eu sei que tem, mas na rua tenho mais liberdade. O que nos falta é banho e um banheiro.


Veja o vídeo: 


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Já Alexandre*, 64 anos, sente falta de poder trabalhar. Há quase dois anos, sofreu um acidente com o caminhão da empresa que trabalhava e, desde então, conta que vive nas ruas. Com sequelas e sem amparo dos familiares, não conseguiu retomar a rotina.

– Fiquei um tempo no hospital para fazer tratamento e, aí, terminou o dinheiro. Sou viúvo e não tenho o apoio da minha família, então estou aqui. Estou lutando. Até fiquei um tempo na casa de passagem, mas acabou (o tempo).

Natural de Santa Maria, o homem conta que vive com um auxílio do governo federal, que boa parte gasta com o valor dos medicamentos que precisa ingerir.

– Só em medicamentos dá R$ 287. Não dá nem para pagar um aluguelzinho. Se desse, não estaria aqui – afirma.

Luiz* e Alexandre* se somam ao número de pessoas em situação de rua em Santa Maria. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social, com base no CadÚnico, o crescimento foi de 56% desde 2023. A informação é reforçada por quem atua diretamente com essa população: o projeto UFSM nas Ruas, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que há sete anos trabalha com pessoas em situação de rua e catadores de materiais recicláveis no município. O foco da iniciativa tem sido a construção de políticas públicas, conforme explica a coordenadora Amara Lúcia Holanda Tavares Battistel:

– O projeto começou em 2018, a partir de uma ação social no Café Solidário, e logo sentimos a necessidade de ir além da distribuição de alimentos. Passamos a pensar em como a universidade poderia contribuir para que essas pessoas deixassem de ser tratadas apenas como objeto de caridade e fossem reconhecidas como sujeitos de direitos.

Em entrevista ao Diário, a professora explicou que o aumento já era perceptível antes mesmo da pandemia, mas se intensificou com a crise sanitária e, mais recentemente, com as enchentes que afetaram o Estado.

Apesar dos números do CadÚnico, Amara alerta que o total de pessoas em situação de rua é certamente maior, já que muitos ainda não estão cadastrados. A contagem oficial, segundo ela, é dificultada pela metodologia dos censos tradicionais, que consideram apenas domicílios fixos.

– Esse aumento é certamente maior do que o registrado oficialmente, porque muitos não estão cadastrados. A fila da distribuição de alimentos, por exemplo, que antes girava em torno de 30, 50 marmitas, hoje passa de 100. E sabemos que há muitos que nem sequer acessam esse tipo de ajuda – destacou.


Quem são essas pessoas?

De acordo com a professora, a maioria das pessoas em situação de rua é composta por homens entre 30 e 50 anos, embora haja aumento significativo de idosos. Os motivos que os levam à rua são diversos, mas geralmente envolvem ruptura de vínculos familiares, desemprego e, em alguns casos, o uso abusivo de álcool e outras drogas.

Além dos fatores individuais, há causas estruturais, como racismo, desigualdade social e falta de oportunidades.

– Nem toda pessoa em situação de rua é usuária de drogas, mas muitas acabam recorrendo ao álcool ou outras substâncias depois de já estarem na rua, como forma de suportar a dor e o frio. Há uma desagregação social. E há uma população majoritariamente negra, reflexo direto do racismo estrutural e das heranças da escravização que ainda marcam nossa sociedade – explica Amara.


Estão na rua porque querem?

Em resposta a alegações de que muitas dessas pessoas "não querem sair da rua", a professora sugere cautela na interpretação:

– É muito fácil julgar. A casa de passagem tem regras, como a proibição de entrada alcoolizado, que muitas vezes afastam quem já enfrenta o vício. Não estou dizendo que não deve haver regras, mas sim que é preciso escutá-los, entender por que preferem dormir na rua a ter um teto e uma cama. Essa pergunta precisa ser feita com empatia.

Amara destaca que mesmo antes desse crescimento, as vagas já eram insuficientes, e o número de acolhimentos não aumentou na mesma proporção da demanda. Para ela, o problema precisa ser enfrentado de forma articulada e intersetorial.

Já sobre denúncias recentes de comportamento inadequado por parte de pessoas em situação de rua próximo a escolas, como atos obscenos relatados à OAB, a professora lamenta, mas alerta contra o uso desses casos isolados para estigmatizar toda uma população:

– Trabalho com isso desde 2018 e foi a primeira vez que ouvi um relato desse tipo. A gente não pode transformar uma situação grave, que deve ser apurada, em justificativa para limpar a cidade dessas pessoas. Isso não é solução, é empurrar o problema para debaixo do tapete.


O caminho para quem vive nas ruas

Para a professora, a solução passa por um esforço conjunto entre poder público, universidades, sociedade civil e entidades de classe. É preciso garantir políticas públicas contínuas, e estruturadas – que não apenas acolham, mas reintegrem essas pessoas à sociedade com dignidade.

– A situação de rua é complexa, e não tem solução mágica. Mas podemos enfrentá-la com políticas sérias, baseadas em dados reais, respeito e empatia. Não se trata apenas de oferecer um teto, mas de oferecer dignidade e oportunidade – pontua Amara.

A professora também pede mais responsabilidade coletiva e empatia sobre o tema:

– O que deveria nos chocar mais não é o fato da cidade estar 'enfeiada'. É ver um ser humano deitado no chão, no frio, com um cachorro do lado, sem proteção nenhuma. Santa Maria precisa reunir pessoas comprometidas com o tema para implementar de fato as políticas públicas que já existem no papel.


*Para preservar o nome das pessoas entrevistadas, foram utilizados nomes fictícios na reportagem


Para saber o que pensa a prefeitura sobre o assunto e as discussões em andamento no município, leia a reportagem completa: 



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