Foto: Vinicius Becker (Diário)
Com 16 anos, Martha Adaime passava o arco da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) pela primeira vez e jamais imaginava que um dia seria alçada a comandar a Reitoria de uma das intuições de ensino mais conceituadas do país. Não estava nos seus planos. A vida acadêmica estava em outros prédios, não muito perto dali. Foi no Centro de Ciências Naturais e Exatas que começou uma caminhada que já perdura 36 anos. Agora, a comunidade acadêmica a leva à Reitoria. Dessa vez, como a primeira mulher eleita para ocupar o cargo em 64 anos da instituição.
– Eu era uma menina de 16 anos, iniciando um curso, e jamais imaginei que estaria na Reitoria desta universidade. Isso não estava no meu objetivo e nas minhas metas. Eu, simplesmente, fui traçando a minha caminhada e me desafiando a cada momento, conforme eram apresentadas – afirma a atual vice-reitora.
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Martha foi escolhida, ao lado do vice Tiago Marchesan, após conquistar a maioria dos votos em uma pesquisa de opinião realizada com alunos, professores e servidores. O adversário era o ex-reitor da instituição, Felipe Müller. O resultado foi divulgado na noite da última quarta-feira. Agora, uma lista tríplice será elaborada pelo Conselho Universitário (Consu) e enviada ao Ministério da Educação (MEC). Cabe ao órgão federal fazer a nomeação.
O poder do cargo é proporcional ao tamanho da responsabilidade. No caso de Martha, representar as mulheres – que são maioria na UFSM.
– Este é o momento, e eu penso que é simbólico sim. Não podemos perder isso de vista, nunca mais. Nós somos maioria de mulheres nessa instituição e precisamos perder a mania de tratar tudo como teoria e colocar em prática – prega ela.

Em entrevista ao Diário, a futura reitora ao lado do vice, falou sobre a trajetória, o percurso da campanha eleitoral e os compromissos assumidos com a Federal.
Trabalho como principal bandeira
Filha do bancário Jorge Adaime e da dona de casa Lecy Maria Bohrer Adaime, Martha é a caçula de quatro irmãos. Na primeira tentativa, passou no curso de Química Industrial e, embora o mercado de trabalho tivesse aberto as portas, foi na sala de aula que escolheu ficar. Aos 26 anos, em 1989, já era doutora pela Unicamp. No mesmo ano, ingressou na carreira docente na UFSM.
Os anos 2000 trouxeram outros desafios. Ocupou cargos de chefia no Departamento de Química e, em 2002, assumiu como vice-diretora no CCNE - Centro que esteve à frente de 2006 a 2014. Foi nesse período que passou pela primeira disputa eleitoral da instituição: em 2009, foi convidada para ser vice ao lado de Paulo Burmann à Reitoria. Com pouca experiência, e sem apoio de lideranças, a chapa foi derrotada.
– Em 2009, eu era uma pessoa que jamais imaginava me candidatar a algo. Entrei naquele processo sem experiência, mas valeu cada minuto vivido – lembra Martha.
A dedicação ao trabalho, por vezes, afastou Martha de sonhos pessoais, como o da maternidade. Ela conta que esperou ter estabilidade para engravidar. Mas quando tentou, conta que não conseguiu, apesar das tentativas.
– Você poderia perder a bolsa se engravidasse – justifica.
Quis o destino que, anos depois, tivesse debaixo das asas mais de 20 mil alunos e uma coleção de sobrinhos.
– A gestação é da mulher. Ela precisa desse tempo pós-parto porque por mais que ela divida isso com seu parceiro, a maior parte do cuidado é da mulher. Com isso, ela acaba sentindo a sua produção científica cair. E isso é muito sério na hora que ela precisa fazer um concurso ou concorrer a uma bolsa, porque ela acaba sendo penalizada.
É para evitar dificuldades passadas na sua geração que Martha luta por mais equidade na academia. A solução, conforme ela, chegou de forma tardia.
– Alguns órgãos de fomento demoraram muito para pensar em reparar, um pouco, essa questão. Nós só começamos a fazer isso na universidade em 2021. Hoje, tiramos da pontuação da mãe aquele período de tempo em que ela se dedicou à maternidade. Assim, ela fica em condições iguais às do homem. Isso já ajuda a equalizar o ingresso e a concorrência em determinados editais. E é nesse sentido que vamos precisar avançar – pontua a reitora eleita.
Desde 2022, divide o comando da universidade com o atual reitor Luciano Schuch na condição de vice-reitora. São três anos de movimento pelos campi, em que nada passa despercebido por ela. Onde está a universidade, está Martha. Inclusive, em situações de crise.
– Acredito que nenhuma gestão tenha passado por tantas crises. Foi um final de pandemia, tivemos a queda do elevador e enchentes, em que perdemos praticamente todo o nosso arquivo em um dia. E, depois, teve a tentativa de recuperação para um ano depois saber que nosso arquivo está todo salvo. Tivemos, também, o acidente do ônibus que chocou a todos. E na campanha, os ataques foram as piores coisas. Vi o nome da universidade sendo atacado – afirma Martha.
A caminhada à Reitoria
Em mais um desafio, encontrou Tiago. Dessa vez, para a disputa da Reitoria. A escolha veio não só da juventude e experiência em gestão, como Martha gosta de se referir ao seu futuro vice, mas pelo senso crítico. Ele, que é diretor há quase oito anos do Centro de Tecnologia (CT), sabia muito bem onde estavam os problemas e também as soluções. Parceria que levou Tiago, aos 44 anos, à estreia em campanhas eleitorais.
– Eu aprendi muito. É muito bom estar do lado da Martha, que tem experiência em gestão e uma caminhada dentro da universidade, porque em muitos momentos me passou tranquilidade. Não é fácil uma campanha na universidade, ainda mais vivenciando isso pela primeira vez – avalia Tiago.
Foi assim que a caminhada de 35 dias pelos campi da universidade foi vivida. E de forma intensa. Conforme a dupla, 95% da instituição foi percorrida. Momentos de diálogo e de avaliar as demandas – que, agora, podem colocar em prática na gestão.

No dia 25 de junho, serenidade nas primeiras horas de votação. Depois, coração acelerado na medida em que o horário do resultado se aproximava.
– Tínhamos feito uma caminhada tranquila. A forma com que nós construímos a nossa forma de gestão, as propostas, a escuta tinha sido respeitosa com a UFSM. Claro que nós queríamos a vitória e a alegria, não pela Martha e pelo Tiago, mas por toda uma comunidade que estava nos apoiando e acreditava naquele projeto – afirma Tiago.
Sobre o pioneirismo na Reitoria, Martha vê como uma consequência do trabalho construído ao longo dos anos. Aos poucos, tem notado a importância da conquista. Nos corredores e nas redes sociais, o agradecimento e o abraço de inúmeras mulheres.
– Eu tenho pensado nisso nos últimos tempos e, certamente, a minha forma de levantar essa bandeira feminista sempre foi de me envolver muito com o trabalho e mostrar que é possível. Estar à frente, representando a mulher, talvez tenha sido por ter chegado antes. A gente não pode imaginar que o gênero limita qualquer desafio. Precisamos seguir – afirma Martha.

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