A opinião de 14 entidades de Santa Maria sobre o projeto da reforma da Previdência municipal

*colaborou Vitória Sarturi

A opinião de 14 entidades de Santa Maria sobre o projeto da reforma da Previdência municipal

Foto: Vinicius Becker (Diário)

À sombra de um déficit que cresce ano após ano, Santa Maria assiste a um impasse sobre o futuro dos servidores municipais. É como se a Reforma da Previdência fosse uma encruzilhada: promessa de equilíbrio na conta para uns, ameaça de direitos para outros. E o debate não se limita apenas a planilhas de cálculos ou posicionamentos do Executivo ou sindicatos – invade, também, setores relacionados ao comércio, transporte, construção civil e educação. Até porque os gastos crescentes com a Previdência municipal podem impactar no Orçamento do município e, provavelmente, reduzir investimentos em obras públicas e serviços para a população.


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Diante disso, o Diário pediu a entidades representativas de vários setores da cidade, tanto patronais quanto de trabalhadores, que enviassem suas posições sobre a Reforma e os impactos de sua implementação, ou não, para o desenvolvimento de Santa Maria.

As respostas colocam, de um lado, o setor produtivo que pressiona por mudanças naquilo que chamam de um “mal necessário” para conter o rombo da Previdência. Apesar disso, também afirmaram que “o atual quadro é fruto de décadas de omissão e da falta de coragem de gestões anteriores, que optaram por adiar o problema, transferindo para hoje o peso de uma conta que se tornou impagável". Do outro lado, estão sindicatos e associações que denunciam a “reforma da maldade”. Eles acusam o Executivo de jogar nas costas dos servidores da prefeitura a conta da má gestão. No meio do embate, a OAB pede equilíbrio e diálogo ao reforçar que não há saída sem transparência e respeito aos direitos adquiridos.

Ao ser questionada, a reitora da Universidade Franciscana (UFN) disse “não estar apropriada sobre o assunto” e, por isso, preferiu não se manifestar. Já a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), por meio de assessoria, afirmou que “a gestão optou por não falar da temática".

A reportagem também entrou em contato com o Sindicato dos Comerciários e com o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. 


Confira abaixo, na íntegra, o que disse cada entidade

Conselho de presidentes de entidades do setor produtivo de Santa Maria, composto por Câmara de Comércio e Indústria de Santa Maria (Cacism); Sindicato dos Lojistas (Sindilojas); Associação Indústria em Movimento (Assim); Associação dos Transportadores Urbanos (ATU); Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL); Espaço Contábil Região Centro; Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (Sindhturr); Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Santa Maria (Simmmae), Sindicato da Habitação do Centro Gaúcho (Secovi Centro Gaúcho), Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios (Sindigêneros) e Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon):

“As entidades subscritoras vêm, por meio da presente, manifestar-se acerca da reforma previdenciária no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social do Município de Santa Maria. Até o presente momento não tivemos acesso à proposta elaborada pelo Governo Municipal, circunstância que limita nossa manifestação a princípios gerais e a diretrizes que reputamos inafastáveis. De todo modo, nossa posição é de inequívoco e urgente apoio a uma reforma estrutural e responsável, capaz de assegurar a sustentabilidade do sistema previdenciário municipal.

Assim como já ocorreu nas esferas federal e estadual, também no âmbito local constata-se um déficit previdenciário crescente, que compromete e comprometerá de forma cada vez mais severa o orçamento da Prefeitura. Trata-se de uma realidade atuarial e financeira incontornável, cuja solução é inadiável e não pode ser ignorada. O atual quadro é fruto de décadas de omissão e da falta de coragem de gestões anteriores, que optaram por adiar o problema, transferindo para hoje o peso de uma conta que se tornou impagável.

Compreendemos a importância histórica do funcionalismo público para a administração e economia de Santa Maria. São parte vital de nossa comunidade. Contudo, a sustentabilidade do sistema previdenciário é uma causa que transcende categorias. A reforma é um mal necessário, que exigirá a contribuição de todos, principalmente de parte do funcionalismo, para que o sistema não entre em colapso e para que o Estado possa voltar a investir.

A ausência de reforma exigirá, inevitavelmente, a destinação de parcela cada vez maior do orçamento ao custeio do déficit previdenciário anual, que totaliza mais de R$160.000.000,00 por ano, em detrimento de investimentos em saúde, educação, infraestrutura e demais serviços essenciais. O resultado será a diminuição da capacidade de investimento do Município, a precarização dos serviços públicos, a eventual elevação da carga tributária e a retração do ambiente econômico local, afetando toda a população.

A reforma previdenciária municipal não constitui uma opção de natureza política, mas uma exigência inadiável e condição necessária para que Santa Maria possa assegurar desenvolvimento sustentável e fortalecimento do bem-estar coletivo.

Assim como ocorreu nas reformas federal e estadual, é imprescindível que Santa Maria enfrente esse desafio por meio de um debate pautado nos princípios da legalidade, da transparência e da participação democrática, com amplo diálogo entre servidores, gestores e sociedade civil, conferindo a legitimidade social necessária à reforma que se imponha”


Rogério Santos da Costa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Condutores de Veículos Rodoviários de Santa Maria (Sitracover):

“Sobre a reforma da previdência municipal, mais conhecida como “reforma da maldade”, nosso entendimento é de que, quanto mais contratos temporários e mais cargos em comissão (CCs), menor é a arrecadação para o Ipassp, pois isso aumenta o rombo da previdência municipal, já que esses servidores contribuem para o regime geral da previdência social. Entendemos que há um sucateamento do serviço público, principalmente nas escolas, que estão em situação precária, sem o básico: falta água, luz, segurança e alimentação. Tudo isso leva a pensar no interesse político de privatizar a educação. Sem profissionais suficientes para atender às demandas da população, há falta de merenda, segurança, recursos, além de sobrecarga e adoecimento dos profissionais, o que gera exaustão em quem está na ativa. É um caos geral.

E, se essa reforma for pensada, deve ser direcionada e discutida para quem vai ingressar agora, e não para mexer nos direitos adquiridos ao longo de anos de trabalho dos aposentados que contribuíram a vida inteira. Na verdade, o que ocorreu na eleição passada foi um estelionato eleitoral. O ex-prefeito dizia que as contas estavam zeradas e equilibradas, mas o que vemos agora é uma tentativa de prejudicar a categoria, não só dos professores, mas de todos os servidores municipais de Santa Maria”


Rogério Rosado, membro da Executiva da União das Associações Comunitárias de Santa Maria (UAC): 

“A UAC é contrária a qualquer tipo de reforma que venha a prejudicar a classe trabalhadora. Historicamente, a solução para as crises financeiras do capitalismo é a redução de salário ou o aumento da contribuição da classe trabalhadora. A precarização do serviço público é, sem dúvida nenhuma, um pretexto para a privatização, que nada mais é do que a forma encontrada pelo capitalismo de acomodar seus eleitores em empresas que irão prestar serviços antes executados por funcionários concursados.

Especificamente no caso de Santa Maria, jogar no colo dos funcionários e funcionárias públicos a culpa pela má gestão, é cruel e perversa. Não há nenhuma proposta do executivo que vise o aumento da arrecadação, a diminuição de incentivos fiscais ou a busca de uma forma de atrair novos investimentos. Tampouco, há uma cobrança fiscal sobre quem ganha mais, nem mesmo cobrança daqueles que devem ao município. A vilania da prefeitura é cobrar do pobre assalariado, fazendo com que esses paguem a dívida dos ricos.”


Juliane Korb, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, subseção de Santa Maria: 

“Cumprindo o nosso papel constitucional de defender o Estado Democrático de Direito e a cidadania, acompanhamos com atenção e responsabilidade o processo de discussão sobre a reforma da previdência dos servidores públicos municipais. Reconhecemos que o tema exige uma abordagem séria, técnica e comprometida com o futuro do município, levando em consideração a responsabilidade fiscal e a sustentabilidade da gestão pública.

No entanto, entendemos que qualquer proposta de alteração previdenciária deve ser construída a partir de um amplo debate com a sociedade, com especial atenção à transparência dos dados, à participação efetiva dos servidores, que são o público-alvo dessa reforma, e à busca pelo equilíbrio entre os direitos adquiridos e as necessidades do ente público. É fundamental que a valorização do serviço público esteja no centro da discussão.

Os servidores municipais são a base da prestação de serviços à população e merecem respeito, segurança e previsibilidade quanto às regras que impactam diretamente suas vidas e também suas aposentadorias. A OAB de Santa Maria reafirma, assim, o seu compromisso com a defesa do diálogo institucional, da legalidade, da boa governança e da justiça social. Estaremos sempre vigilantes, colaborando com o processo democrático, incentivando o debate plural e qualificado, e colocando-nos à disposição para contribuir tecnicamente com essa discussão tão relevante para o presente e o futuro da nossa cidade.”


Em resumo: entenda a discussão sobre a Reforma

Os valores de contribuição dos ativos são usados para pagar os aposentados. É assim no Regime Próprio de Santa Maria e em outros no país. O que acontece é que, atualmente, essa conta está abaixo do ideal, que é 3/1 (três servidores ativos para um servidor inativo). A relação atual observada é de 1,23 servidor ativo para cada beneficiário, conforme informações divulgadas pela prefeitura. No cenário atual, ambos têm um desconto de 14% sobre valores que excedem o teto do regime. A diferença é que, no caso dos aposentados e pensionistas, não há desconto em salários de até R$ 8,1 mil,que é o teto do INSS. 


Como funcionam os descontos na prática: 

  • Cenário 1: se um servidor inativo recebe R$ 9 mil de provento de aposentadoria ou pensão, ele vai contribuir com o percentual sobre o excedente, isto é, vai contribuir com 14% de R$ 842,59, o que resulta em uma contribuição de R$ 117,96
  • Cenário 2: se um servidor ativo receber R$ 9 mil, retira-se o auxílio-alimentação (R$ 451,08) e o auxílio-transporte (em torno de R$ 265,00), tendo como resultado uma base de cálculo de: R$ 8.283,91. Esse valor multiplica-se por 14%, que resulta em uma contribuição de R$ 1.159,75


Número de servidores ativos e inativos 

*em agosto de 2025

  • Ativos: 3.235
  • Aposentados e pensionistas: 2.633

Fonte: prefeitura de Santa Maria


Atualmente, não há dinheiro suficiente para bancar os beneficiários. A prefeitura paga uma alíquota de 23% e um valor extra (chamado de passivo atuarial) que, em 2025, será de R$ 180 milhões para cobrir o déficit previdenciário. Este ano, pela primeira vez, o Executivo irá aportar mais de R$ 35 milhões para pagar a folha dos inativos (aposentados) e pensionistas, além dos R$ 180 milhões. Ou seja, são R$ 215 milhões destinados à Previdência em 2025 – fora o valor referente à alíquota de 23%.

A situação preocupa e motivou a proposta de reforma da Previdência Municipal porque as cifras extras têm crescido muito a cada ano, o que reduz a capacidade da prefeitura de investir em outras áreas e pode até provocar atraso de salários e de fornecedores no final do ano. Em 2015, o repasse extra da prefeitura ao Ipassp tinha sido de R$ 22,3 milhões, subindo para R$ 61,5 milhões em 2020, e podendo chegar a R$ 215 milhões este ano. Todo esse recurso extra sai do caixa livre do Executivo que poderia ser utilizado para melhorias em ruas ou nas estradas dos distritos, por exemplo, ou contratação demais servidores para as unidades de saúde escolas. 


O cálculo:

Valor destinado anualmente para o Ipassp (prefeitura): projeção de R$ 55 milhões até dezembro de 2025 

+ R$ 180 milhões atual para cobrir o déficit 

+ R$ 35 milhões (colocado no Ipassp, este ano, pela prefeitura)

= Total: R$ 270 milhões

(estimativa de gasto da prefeitura com a Previdência Social em 2025)


Foi diante desse cenário que as propostas para a Reforma da Previdência foram apresentadas aos servidores. Os dois cenários, elaborados pelo Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (Igam), preveem aumento da idade mínima para aposentadoria e da alíquota de contribuição, entre outras mudanças. 


Confira o que pode mudar com a Reforma: 

Idade mínima para se aposentar

Professores

Como é hoje

  • Mulheres - 50 anos 
  • Homens - 55 anos 

Como pode ficar

  • Mulheres - 57 anos
  • Homens - 60 anos


Demais servidores municipais

Como é hoje

  • Mulheres - 55 anos
  • Homens - 60 anos

Como pode ficar

  • Mulheres -  62 anos
  • Homens - 65 anos


Aumento de alíquotas de contribuição

Servidores da ativa

  • Como é hoje – Atualmente, o desconto para Previdência é de 14%
  • Como deve ficar – Em um cenário, as alíquotas poderão ficar em 14%, 16%, 18% e 20%, conforme a faixa de renda do servidor. Em outro cenário, poderão ficar em 14%, 18% e 22%. É um sistema progressivo de alíquotas, o que gera uma alíquota efetiva menor na prática, variável conforme o salário do servidor. Porém, esses percentuais ainda estão em discussão com os sindicatos e o Ipassp


Servidores aposentados e pensionista

  • Como é hoje – Aposentado que recebe até o teto do INSS, de R$ 8.157,41, não tem desconto de Previdência. Para quem ganha acima disso, paga 14% sobre o valor que excede o teto. Por exemplo, um aposentado que recebe R$ 9 mil tem desconto previdenciário de R$ 117,96, pois são 14% dos R$ 842 que excedem o teto do INSS. A título de comparação, um servidor da ativa que ganha R$ 9 mil tem desconto de R$ 947
  • Como deve ficar – Todos os aposentados com proventos acima de 1 salário mínimo passam a ter desconto de Previdência com as novas alíquotas propostas


Outras regras previstas

  • Em casos de incapacidade permanente comum, o benefício será proporcional ao tempo de serviço, enquanto em acidente ou doença de trabalho, o cálculo de 100% da média aritmética
  • A integralidade deixa de ser garantida em casos de doença grave. Já a pensão por morte passa a ser de 50% da aposentadoria mais 10% por dependente, sem reversão das cotas, e vitalícia apenas para quem tiver a partir de 45 anos (na data do óbito)
  • As propostas incluem regras específicas para aposentadoria especial, como no caso de servidores com deficiência, que passam a ter critérios definidos em lei municipal, e a criação de regras de transição baseadas em pontos ou pedágios. Nas aposentadorias voluntárias, tanto pelas regras permanentes quanto pelas de transição, o cálculo dos proventos será assim: 60% da média das contribuições acrescidas de 2% para cada ano de contribuição que ultrapassar 20 anos. Já os servidores admitidos até 31/12/2003 que cumprirem requisitos das regras de transição terão direito à integralidade dos proventos e à paridade


O que acontece agora? 

Na última segunda-feira (29), o Conselho Consultivo se reuniu com a prefeitura para expor os posicionamentos diante da proposta apresentada em 18 de setembro. Na ocasião, os sindicatos dos professores e dos municipários encaminharam ofícios com solicitação de documentos à prefeitura, entre eles, o relatório completo do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (Igam), que fez os estudos sobre a Reforma. Na reunião, não foi apresentada uma contraproposta ao Executivo em relação aos cenários apresentados para a Reforma. Conforme o Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria (Sinprosm) e o Sindicatos dos Municipários, a categoria aguarda os documentos solicitados para fazer sugestões mais pontuais.

Apesar dos pedidos, a prefeitura mantém a previsão de envio do projeto ao Legislativo na primeira quinzena de outubro. Informou, ainda, que deve enviar os documentos solicitados em breve aos sindicatos e que ainda não há previsão de outra reunião com o conselho.



Entenda a discussão sobre a Previdência: 

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