Entre trilhos e lembranças: o legado dos ferroviários para Santa Maria

Entre trilhos e lembranças: o legado dos ferroviários para Santa Maria

Foto: Beto Albert (Arquivo, Diário)

Recentemente a antiga estação férrea foi reformada e irá servir como um espaço de memória

No mês em que se celebra o profissional ferroviário, Santa Maria se volta à memória de quando esses trabalhadores e todo o contexto da Viação Férrea foram a mola propulsora do desenvolvimento da cidade. Apesar de ser uma profissão mais do que centenária, o Dia do Maquinista e do Profissional Ferroviário (20 de outubro) foi sancionado por lei apenas em 2012. A data faz alusão à fundação da Associação dos Maquinistas e Ferroviários de São Paulo (Amafer), umas das primeiras organizações de trabalhadores no país.

A ferrovia foi peça-chave no desenvolvimento de Santa Maria e segue atuante, sobretudo, no transporte de cargas, mas as presenças humana e social dos ferroviários mudaram ao longo das décadas. A cidade preserva memórias e patrimônios da era dos trilhos enquanto convive com uma malha que hoje opera na maior parte para escoamento de commodities e logística integrada.

​ + Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp
História

Historicamente, os trilhos foram decisivos para o crescimento urbano e econômico: a chegada da linha férrea, no fim do século 19, atraiu comércio, indústria e estabeleceu a Gare (termo francês que significa estação de ferrovia) como polo de circulação e trabalho – traços que marcaram a formação de bairros e a vida social local. Hoje, a estação permanece como marco patrimonial e ponto de memória da atividade ferroviária

Em termos de emprego, o setor ferroviário brasileiro já teve quadros muito mais amplos durante a era das grandes empresas estatais, principalmente antes da reestruturação e privatizações nas décadas finais do século 20. Após o processo de concessões e modernização, o perfil de empregos mudou: parte do trabalho migrou para operações de manutenção, logística e terminais sob a gestão de operadores privados. A empresa Rumo registra, em suas divulgações e relatórios institucionais, ter de 8 mil a 9 mil empregados.

Hoje, conforme o Sindicato dos Ferroviários do Estado (Sindifergs), o Rio Grande Sul possui cerca de 900 km de trilhos. Santa Maria faz parte da única operação ferroviária ativa no Estado, com cerca de 200 funcionários que trabalham com trens de cargas. Em 2024, grande parte da malha ferroviária gaúcha foi danificada com as enchentes. Só está em operação um trecho, entre Cruz Alta e Rio Grande, com seis trens por semana.

Entre os trechos que deixaram de operar, estão a linha entre Canoas e Santa Maria (que era usada para trazer combustível ao centro do Estado), o ramal que liga Porto Alegre a Santa Catarina e Paraná e o que transporta produtos petroquímicos entre a Capital e o Polo Petroquímico de Triunfo.


Memória 

O caráter memorial e humano da ferrovia em Santa Maria é resgatado por aposentados, associações e por famílias de ferroviários. Filhos e netos de trabalhadores contam rotinas de trabalho, o cotidiano na gare e a importância social da estação — relatos que ajudam a compor a memória coletiva e a reconhecer o legado material e imaterial deixado pelos trilhos.

O professor e escritor Valdo Barcelos, 70 anos, é uma dessas pessoas que além do aspecto cultural, preserva a memória afetiva com a antiga viação férrea. O avô Clementino Ferreira e o pai Ademar Barcelos, foram ferroviários e por isso, recorda com saudades as décadas passadas.

– O meu avô trabalhou na implantação da ferrovia em Santa Maria por volta de 1884 e depois o meu pai trabalhou na expansão da via férrea pelo Estado e a nossa família inteira vivia muito em função da ferrovia. Nós morávamos onde na época era o oitavo distrito de Santa Maria, que hoje é Itaara. Uma comunidade que era praticamente toda formada por ferroviários e suas famílias – recorda.


Professor e escritor Valdo Barcelos possui na memória familiar as lembranças da ferrovia, por meio do avô e do pai ex-ferroviários Foto: Vinicius Becker (Diário)

Entre as diversas lembranças, Barcelos destaca a organização da classe trabalhadora e a prosperidade da cidade na época. 

– Na época existia a Cooperativa dos Ferroviários, que chegou a ser uma das primeiras na América Latina e servia para abastecer as famílias como um grande mercado. Então toda essa região da Avenida Rio Branco prosperou muito com hotéis, armazéns, lojas, e edifícios. Além disso, a estação era um ponto de passeio e de interação social, pois as pessoas vinham para ver os trens que chegavam e partiam – conta


Prédio onde funcionava a antiga Cooperativa dos ferroviários, hoje é um bar na Vila BelgaFoto: Beto Albert (Arquivo, Diário)


O professor também se recorda de quando o sistema ferroviário entrou em decadência a partir de 1964.

– A classe trabalhadora dos ferroviários movimentavam o país e também poderiam parar o país. E uma das coisas que contribuiu muito para a derrocada dos trens foi quando os militares tomaram o poder em 1964. Com o golpe, muitos setores resistiram e um deles foi o dos ferroviários, porque era o maior sindicato que existia no país. A partir disso, o governo na época entendeu que a coisa certa a ser feita era expandir as rodovias e se investiu nisso, e então a grande maioria do que era transportado pelo trem, passou a ser feito por caminhões e ônibus – explica.


O último apito do trem de passageiros

Basicamente, hoje a ferrovia é utilizada para transportar a produção agrícola e combustíveis pelo Estado. O último trem de passageiros em Santa Maria partiu da Gare no dia 2 de fevereiro de 1996. O famoso "Trem Húngaro" ou "Trem da Fronteira" (porque saía de Uruguaiana) seguiu viagem rumo a Porto Alegre.

Registro do último trem de passageiros que partiu de Santa Maria a Porto Alegre em 1996 Foto: Arquivo (PM/SM)

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Canola ganha espaço nas plantações da Região Central e registra aumento de 64% em áreas cultivadas Anterior

Canola ganha espaço nas plantações da Região Central e registra aumento de 64% em áreas cultivadas

Vento norte causa estragos durante a madrugada de sábado em Santa Maria Próximo

Vento norte causa estragos durante a madrugada de sábado em Santa Maria

Geral