Fotos: Vinicius Becker (Diário)
Aos 102 anos, ler o jornal impresso é um dos hábitos diários da dona Carmelina
Quantas histórias cabem em uma vida que que se estende por mais de um século? Dona Carmelina, 102 anos, de Faxinal do Soturno, mostra que envelhecer com saúde é possível, e que o segredo pode estar no carinho da família e na simplicidade do dia a dia. No Dia do Idoso, celebrado nesta quarta-feira (1º), ela se torna um exemplo vivo de que longevidade também se constrói com amor e, principalmente, presença.
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Nascida em 1923, Carmelina Dallasta Vizzotto vive hoje ao lado da filha Alice, que divide os cuidados com duas cuidadoras e os outros cinco irmãos, que fazem questão de ver a mãe diariamente. Entre os hábitos que mantém até hoje estão a leitura diária da versão impressa do Diário de Santa Maria, os passeios pelo bairro e as idas à missa. De personalidade forte, faz questão de pedir exatamente aquilo que deseja:
— Ela sabe muito bem o que quer. Todos os dias, depois do café, ela pede o jornal. É o momento dela. Gosta de sentar na salinha, onde entra o sol da manhã, e ficar por dentro do que acontece. Logo depois, pede uma fruta, um suco. E a gente faz todas as vontades dela. Nesse ponto, ela é quem manda — diz a primogênita Alice, 78 anos.

A rotina de Carmelina também inclui exercícios físicos orientados. Embora tenha dado uma pausa nas idas à academia durante o inverno, para evitar gripes e resfriados, ela segue sendo acompanhada por uma fisioterapeuta em casa. Para Alice, essa vitalidade está diretamente ligada ao ambiente de acolhimento que a mãe encontra na família.
— Eu acredito que isso é um ponto muito positivo. Ela não se sente abandonada. Tem tudo o que precisa: alimentação, cuidados médicos e, principalmente, a presença dos filhos e netos. Esse suporte emocional é muito importante — destaca.

Amor e paciência como segredo

O segredo que sustenta a vida longa e saudável de Carmelina, segundo as filhas Alice e Vera, não é nada complexo: “É muito amor e paciência”, dizem. Alice reconhece que os cuidados diários poderiam ser vistos como um peso, mas, para ela, são motivo de gratidão.
— Muita gente, às vezes, me olha e diz: "Ai, coitada, tu aí, não pode nem sair". Mas eu não sinto necessidade de sair. O meu prazer é estar com ela, ser companhia. É bom, eu gosto, é um privilégio — afirma, emocionada.
Os filhos estão sempre por perto. Apenas o caçula, Jaime, 67 anos, mora no Mato Grosso, mas os demais – Odila, 76 anos, Assis, 75, Celso, 73, e Vera, 70 – vivem na cidade ou nos arredores e fazem visitas constantes.

— É uma presença diária. E isso dá segurança, dá alegria para ela. Tem um detalhe importante que é saber ouvir, ter a paciência de ouvir quando eles falam, quando contam alguma coisa. Eles querem ser ouvidos — reforça Alice.
Os 13 netos e 11 bisnetos também fazem parte dessa rede de afeto. O neto Tiago, 37 anos, mora ao lado da avó e é presença constante no cotidiano. Atencioso, delicado e paciente, está sempre por perto para garantir o conforto de Carmelina.

Alice ainda conta que uma das bisnetas, inclusive, fez uma limpeza de pele em Carmelina na véspera da reportagem, a pedido da própria. Quando descobriu que a equipe do Diário estava chegando, ela pediu que retocassem o batom.
— A mãe é vaidosa. Gosta de estar arrumada, de fazer a unha, de cuidar da pele, de colocar uma florzinha no cabelo se precisar. Esses dias mesmo ela disse: "Seria bom se tivesse alguém que viesse toda semana arrumar as unhas e o cabelo". A gente riu, mas faz parte dela, é quem ela é — conta a filha Vera.

Uma vida dedicada ao trabalho e à família
Apesar da idade avançada e do uso da cadeira de rodas, Carmelina mantém a lucidez e a memória afiadas. Recorda das dificuldades de criar os seis filhos, do choque que foi a pandemia da Covid-19, e até de vizinhos de décadas passadas.
— Eu fiz de tudo, passei de tudo, trabalhei muito, toda minha vida. Ajudei com o serviço da casa, fazia tudo. Eu passei por muita coisa, mas sempre me saí bem. Criei os seis filhos, três homens e três mulheres. Eles e os netos estão bem, todos me ajudam e não me deixam faltar nada — diz.

— Ela sempre trabalhou. Veio de uma família simples, do interior de Val Veronês (localidade de Faxinal do Soturno). Depois, casou e continuou dedicada à casa, à horta e às flores. Costurava para a família, cozinhava, sempre foi muito ativa. Hoje, sente falta, mas a gente lembra que, apesar das limitações da idade, ela não tem doenças nem dores. É o preço da longevidade — complementa Alice.
Vera reforça que a mãe sempre foi acolhedora.
— Quando o hospital da cidade fechou, por exemplo, ela arrumou dois quartos em um anexo e fazia comida para os pacientes e até para o médico. Muitas pessoas não tinham onde ficar, e ela dava um jeito. Era sempre assim, de coração aberto.

Essa disposição para o cuidado também se refletiu na forma como Carmelina e o marido, Santo Vizzotto, educaram os filhos. Ele faleceu em 2001, aos 84 anos.
— Nunca nos faltou incentivo. A mãe sempre incentivou a leitura, queria que a gente estudasse. Tanto ela quanto o pai nos deram esse exemplo. Mesmo com dificuldades, eles compravam livros, revistas e estimulavam a leitura, tudo isso com muito sacrifício. Se a gente queria sair, viajar ou estudar, ele davam um jeito de ajudar — lembra Vera, que assim como Alice, é professora aposentada.

Alice conta também que a mãe ainda surpreende pela memória. Em uma das últimas visitas, ao sair para passear até a casa de uma cunhada, Carmelina reconheceu de imediato o filho de um conhecido da comunidade.
— Ela olhou e disse: "Esse aqui é filho do fulano". Se lembrava até do borracheiro, que está sempre lá.

Feliz no simples
Seja no jornal do café da manhã, nos passeios de cadeira pela quadra, nas conversas com vizinhos ou no sabor de um bom prato de nhoque, Carmelina mostra, dia após dia, que a felicidade está nas coisas mais simples.
— O mundo dela sempre foi a família, os encontros, os aniversários, as visitas dos amigos. Às vezes, a gente pensa que vai encontrar a felicidade viajando para longe, mas ela está aqui, no dia a dia, na convivência. Esse é o maior exemplo que ela deixa — reflete Alice.
