A advocacia é, no mais das vezes, uma profissão “acompanhada”. Estamos sempre rodeados de colegas, grupos de estudo, parceiros de trincheira, auxiliares atentos, equipes dedicadas. Há cafés que viram reuniões, almoços que viram estratégias, grupos de WhatsApp que viram espaços para conselhos. Mas, apesar de toda a sociabilidade que envolve o ofício, existe uma verdade que só quem advoga conhece: ao fim e ao cabo, a solidão é inevitável. Nesse ofício, há decisões que ninguém pode tomar por nós. E é justamente aí que repousa, silenciosa, a Espada de Dâmocles.
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A responsabilidade que não se divide
A advocacia é a profissão que responde pelo outro. O cliente entrega sua liberdade, sua reputação, sua vida em nossas mãos. Podemos ouvir todos, consultar muitos, ponderar com diversos. Mas quando chega o momento de decidir: qual tese sustentar, qual risco correr, qual palavra usar? A responsabilidade é una. O ônus é indivisível.
O paradoxo da companhia
A Ordem existe, as Associações existem, os colegas existem, a classe existe, mas nenhuma dessas estruturas tem o poder de retirar o peso da escolha. Grupos acolhem, mas não substituem. Amigos ouvem, mas não respondem pelo resultado. A advocacia é solidária, mas a decisão é solitária. A assinatura, afinal, é sempre nossa.
A véspera dos grandes julgamentos
Há um tipo específico de silêncio que acompanha a véspera dos julgamentos importantes. Não é medo. É a consciência de que cada movimento pode alterar o destino de alguém. Nenhum atleta dorme tranquilamente antes da competição decisiva. Nenhum advogado dorme plenamente antes do dia em que sua palavra será julgada. A mente se torna arena. A estratégia, um ritual de precisão. E o corpo, vigília.
A espada invisível
A Espada de Dâmocles na advocacia não é ameaça de morte, mas a lembrança permanente do impacto dos nossos atos. Ela não paralisa, disciplina. Não intimida, orienta. É o lembrete de que a profissão exige coragem, mas coragem não é ausência de temor, é a decisão de, por vezes, avançar apesar dele.
A solidão como virtude
Há uma solidão que destrói, e outra que depura. A da advocacia é, se bem vivida, a segunda. Ela nos obriga a pensar com rigor, sentir com responsabilidade e agir com método. Obriga-nos a olhar para o caso concreto com honestidade e para nós mesmos com franqueza. É nela que se decide o que é essencial e o que é excesso. O advogado que não suporta a solidão jamais suportará o julgamento.
O instante decisivo
Quando o relógio marca a hora, a porta da sala se fecha e todos se sentam, a solidão muda de forma. Ela se transforma em presença. Cada estudo feito, cada dúvida enfrentada, cada decisão tomada na madrugada aparece ali, ao lado do advogado. É nesse instante que a consciência profissional encontra sua verdade: somos aquilo que fazemos enquanto todos observam e somos aquilo que fizemos quando ninguém estava olhando.
Amor Fati
A advocacia é, sim, uma profissão solitária. Não no sentido triste do termo. É solitária porque é séria, porque é grave, porque lida com destinos humanos. E, paradoxalmente, é essa solidão que a engrandece. Ser advogado é aceitar que o peso das decisões é o preço da confiança. Aceitar que, no fundo, não há Espada de Dâmocles que assombre a consciência de ter feito tudo o que era possível.