Há momentos em que o processo penal deixa de ser apenas processo e se converte em ritual coletivo. A tragédia mobiliza famílias, cidades inteiras, o país todo. A sala de audiência passa a ser também sala de memória, palco de luto e catarse. É nesse cenário de comoção que o direito se coloca à prova: quando todos clamam por justiça, ele deve responder com serenidade.
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O tribunal da comoção
Nos julgamentos que nascem de grandes tragédias, a pressão externa é inevitável. O clamor popular, as manchetes diárias e a expectativa de uma resposta exemplar criam um ambiente em que o processo parece querer resolver não apenas a conduta individual do réu, mas também a dor coletiva. O risco é transformar o tribunal em arena de vingança.
A técnica como antídoto
É justamente nesses casos que a técnica jurídica revela sua função protetiva. A dosimetria da pena não é ato de vontade, mas de método. O artigo 59 do Código Penal exige exame criterioso das circunstâncias judiciais, com fundamentação individualizada. A serenidade se manifesta na fidelidade a esses parâmetros, e não em respostas improvisadas pela emoção.
Virtude da temperança
A filosofia antiga já ensinava que a temperança é a virtude do equilíbrio. No julgamento, ela se traduz em serenidade: a balança que não se inclina pelo clamor, a pena que não se agrava pelo barulho. O juiz que resiste ao ímpeto de retribuição cumpre o papel mais difícil – e mais nobre – da magistratura.
Entre indivíduo e coletividade
A dificuldade maior está em distinguir o sofrimento coletivo da responsabilidade individual. O réu não pode carregar nas costas o peso de toda a tragédia. O processo penal não existe para reparar a dor social – tarefa impossível –, mas para aplicar uma resposta justa ao caso específico. Confundir esses planos é trair o princípio da individualização da pena.
A voz serena da justiça
Diante da dor coletiva, é natural que a sociedade grite. Mas o direito não pode gritar junto. Sua voz deve ser outra: contida, racional, serena. A pena justa não consola nem repara tragédias, mas preserva a dignidade de um sistema que só se mantém legítimo quando resiste à fúria. É nesse silêncio técnico que a justiça encontra sua força.
Coragem do silêncio
Ser sereno não é ser indiferente. É ter a coragem de julgar com técnica mesmo quando tudo ao redor pede severidade. É segurar a pena como quem segura um bisturi: consciente de que cada corte deve ser preciso, nunca para satisfazer expectativas externas, mas para cumprir o dever de justiça.
O risco da pena simbólica
Quando a sociedade pede uma pena exemplar, corre-se o perigo de substituir a medida da justiça pela medida da dor. A pena deixa de cumprir seu papel de resposta proporcional e passa a ser mensagem simbólica, dirigida ao público. Mas o direito não é palco de pedagogia social: sua função é julgar pessoas concretas por fatos concretos.