Foto: Renan Mattos (Diário)
Com empréstimo de R$ 28 milhões, Santa Maria começa a recuperar o asfalto esburacado
Asfalto esburacado ou danificado é assunto recorrente entre motoristas que trafegam por ruas e estradas do país. E, mesmo quando obras de asfaltamento são feitas, fica sempre a dúvida: por que não duram tanto quanto a população espera?
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Para responder a essa pergunta e entender o que prejudica a durabilidade de um pavimento, o Diário entrevistou o professor doutor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Luciano Pivoto Specht, que tem uma longa carreira de estudos na área de pavimentos e asfalto. Ele diz que, nos projetos, geralmente se faz um cálculo para que uma rua ou estrada nova dure até 10 anos, e em caso de recuperação, cinco anos. Porém, esse é o tempo previsto para a base da rodovia, mas há vários fatores que podem mudar esse prazo.
Specth reforça a importância de haver obras de manutenção sempre, para prolongar a vida útil e evitar um gasto muito maior no futuro. Já no caso de obras emergenciais, como nas que estão sendo feitas com os R$ 28 milhões em Santa Maria, o especialista diz que não há como prever a durabilidade com exatidão, pois não se sabe as condições da base, feita décadas atrás, e porque costumam haver obras urbanas, como as da Corsan. Mas Specht avalia que são obras necessárias para evitar um gasto maior no futuro.
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Diário - Há como prever quanto tempo vai durar o asfalto de rodovia ou rua?
Luciano Specth - Existem modelos que não são determinísticos, são probabilísticos, têm uma margem de erro. Nós estamos montando isso no Brasil, agora. Os norte-americanos já têm, os franceses também, mas com uma margem de erro muito grande. Não tem como dizer por quanto tempo dura.
Diário - Hoje, no Brasil, quando Dnit, Daer ou prefeituras fazem um projeto de rodovia ou rua, eles conseguem prever a durabilidade?
Luciano Specht - Eles não usam esses modelos. O que fazem é estimar o tráfego futuro, com uma estimativa de quantos veículos de carga vão passar em cima daquela seção de pavimento. Aí, tem métodos oficiais que se usam, que são bastante obsoletos até, para fazer o projeto. Inclusive, não dá para usar outros, não pode pegar o modelo norte-americano e usar aqui porque a espessura é diferente, e o Tribunal de Contas não aprova. Precisa ser um método oficial homologado para usar no Brasil. É um método do Dnit, só que a primeira versão é de 1960, e a última versão é de 1981. Então, está muito defasado. Existe, agora, um novo método que deve sair e ser aprovado neste ano, e inclusive a UFSM participa da discussão e da calibração do novo método.
Diário - É a partir dessas condições de tráfego que se calcula espessuras de base da rodovia ou rua e espessuras do asfalto? E depende do solo embaixo?
Specht - Isso. Basicamente, o projeto de pavimento depende de duas coisas: tráfego atuante e camada de suporte. Essas duas coisas vão ditar a espessura e o tipo de material que vai se usar. Às vezes, não é só a espessura. Tem quer usar um tipo de material, mas o tráfego é tão pesado que você não vai poder usar esse tipo. Isso vale tanto para a restauração de rodovia quanto para o pavimento novo, mas isso não vale para serviço emergencial, que é um tipo de serviço feito quando a rodovia chega a um processo de degradação importante. Por exemplo, começa a abrir "panelas", e o órgão vai lá e faz tapa-buracos, trocas pedaços, remenda. Isso a gente chama de emergencial. Então, isso não tem previsão de durabilidade. E me parece isso que está sendo feito aqui na cidade. Acho que não existe nem um projeto de engenharia dimensionando o reforço, só de reparos localizados.
Diário - Mas isso não quer dizer que o serviço vá ser mal feito.
Specht - Exatamente. É o que está se fazendo de possível. Esses serviços de tapa-buracos, nos Estados, no âmbito federal e nas prefeituras, é só para manter a trafegabilidade e dar as mínimas condições de trafegar. Não é uma questão desse partido ou de outro. Qual município que não tem buracos? Nenhum. Não tem recursos.
Diário - Não só em Santa Maria, sempre se teve a preocupação dos governos de asfaltar novas ruas, muitas com pouco tráfego, mas não se tem preocupação de manter o asfalto nas vias principais. Qual sua visão sobre isso?
Specth - O problema está no entendimento dessa questão, que vem desde Brasília. O Ministério das Cidades lançou editais, como o PAC Cidades, o Avançar, em que havia muito dinheiro para implantar novas pavimentações, mas não tinha dinheiro para conservação e manutenção. Imagina, se você é político, não vai querer dinheiro para ter uma avenida pavimentada? Claro, pega o recurso, mas depois pega esse passivo.
Diário - E as ruas não deveriam ter orçamento anual para manter o asfalto?
Specht - Claro. Se não, perde-se todo o investimento.
Diário - Uma rua ou estrada projetada para durar cinco anos, pode durar mais se for feita a manutenção adequada?
Specht - Sim. Na verdade, isso faz parte do negócio. Nenhuma rodovia pode ficar abandonada.
Diário - No caso das obras de recuperação das ruas de Santa Maria, caso não tenha projeto, não tem como saber quanto tempo vai durar?
Specht - É muito difícil prever. Se o serviço for bem feito, como se trata de tráfego urbano (de veículos mais pesados), que geralmente é mais baixo, eu apostaria que pode durar mais tempo. Há exemplos. A Avenida Hélvio Basso já tem cinco anos e está em boas condições, mas, agora que ela começa a envelhecer, é normal que comecem a aparecer mais problemas.
Diário - Quais os problemas em obras de pavimentações em cidades?
Specht - O pavimento é uma estrutura em etapas. Quando construíram as ruas de Santa Maria, imagina o tráfego que tinha 50 anos atrás. À medida que a cidade vai crescendo, vai fazendo adaptações, mas nunca se mexeu lá embaixo (na base) para se corrigir. Nunca se fez um trabalho no subleito. Foram arrumando, tentando melhorar para cima, fizeram primeiro uma estrada de terra, depois compactaram, depois veio calçamento. Depois dele, colocaram uma camada asfáltica, sempre com tráfego inferior do que é hoje. Então, estamos sempre apagando incêndios.
Diário - A Corsan abre buracos nas ruas para consertos. Isso não afeta o asfalto?
Specht - O conserto nunca vai ficar igual. E, mesmo que o remendo seja bem feito, cada vez que se faz um remendo, se o usuário passar com veículo a 60 km/h, ele vai sentir um solavanco. Não tem como ficar como era nem como voltar à situação original, pois é um serviço artesanal, e afeta a durabilidade da rua.
Diário - Nos corredores de ônibus, o concreto seria o ideal, mas é quase impossível fazer em toda a cidade.
Specht - Sim, exatamente pelo custo. Na verdade, tanto o concreto quanto o asfalto são opções concorrentes, desde que bem projetados e bem feitos.
Diário - Qual a sua avaliação sobre esse projeto de recuperação que a prefeitura está fazendo agora?
Specht - É uma obra necessária. Se não fizer isso, vai se perder todo o investimento (do pavimento existente). Esse é um mal necessário. Chegamos num patamar em que precisamos preservar o patrimônio público, pois se não fizer isso agora, daqui a pouco esses R$ 28 milhões que vão atender "x" ruas, daqui a um ano vão atender 20% a menos, e no outro ano, ainda menos.